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O Mito do Imposto Único: Simplificação vs. Eficiência na Tributação
14/01/2014

Queixa recorrente entre o empresariado brasileiro, a complexidade do nosso sistema tributário volta e meia faz ressurgir o debate sobre a ideia do imposto único, que consistiria numa tributação incidente sobre a movimentação financeira que excluiria todos os demais impostos, taxas e contribuições instituídos e cobrados no sistema tributário brasileiro. A discussão, que, pode parecer maniqueísta, do bem que viria combater o mal, em verdade é mais complexa e traz à tona aspectos econômicos e políticos das técnicas tributárias.

O imposto único, advogam os seus defensores, viria trazer drástica economia na administração dos tributos pelo Fisco, redução significativa na sonegação, corte definitivo nos custos de compliance incidentes sobre o contribuinte, e ainda possibilitaria uma carga fiscal mais baixa, desejo de toda a população brasileira. Por que então a ideia do imposto único ainda encontra resistência e falha em conquistar a opinião pública em geral, e o empresariado em particular? Por que os sistemas fiscais mais desenvolvidos do mundo esnobam essa poderosa ferramenta e ainda fazem uso dos complexos tributos sobre valor agregado, tributos plurifásicos e não-cumulativos a exemplo de IVA, ICMS, PIS, Cofins, hoje o instrumento fiscal de maior pujança arrecadatória na vasta maioria dos países?

Antes de mais nada, faz-se necessário lembrar que a atividade de cobrança de tributos é o meio pelo qual o Estado aufere recursos para o desempenho de suas atividades, em sociedades caracterizadas por economias livres, de mercado. Assim é que o tributo é o meio pelo qual o Estado busca na economia os recursos de que carece para prestar os serviços à comunidade de súditos.

Consistindo, assim, o tributo, em um elo de ligação entre o Estado e a economia, entre o público e o privado, as técnicas fiscais, ou seja, as possibilidades teóricas de formatação do sistema tributário, devem ser pensadas de modo que, logrando o Estado obter os recursos de que necessita, este objetivo seja alcançado provocando a mínima interferência nos processos econômicos, assegurando desta forma o desenvolvimento do país e o crescimento econômico tão almejado por todos.

Nesse sentido, a economia financeira desenvolve princípios a partir dos quais devem ser concebidos os sistemas tributários de cada país, tendo em vista o mais alto grau de eficiência que o sistema fiscal possa e deva alcançar. Dentre tais princípios, podemos destacar os seguintes, em face dos quais poderemos efetuar uma análise comparativa entre um imposto único sobre movimentação financeira e os tributos tradicionais sobre valor acrescido: princípio da neutralidade fiscal; princípio da justiça ou eqüidade fiscal; e princípio do ganho nacional.

O princípio da neutralidade fiscal reza que o tributo não deve interferir nas decisões privadas quanto à alocação de recursos. O princípio parte da premissa de que o mercado tende a promover as decisões de investimento segundo critérios de máxima rentabilidade, e o tributo não deve distorcer as variáveis econômicas incidentes nas decisões de investimentos. Neste aspecto, o sistema de não-cumulatividade, típico dos tributos por valor agregado (IVA, ICMS, PIS, Cofins), promove adequadamente o princípio da neutralidade fiscal, na medida em que o número de incidências em cadeia não afeta a carga fiscal incidente sobre dado produto ou serviço, desde a matéria-prima até o consumidor final, permanecendo sempre a carga equivalente à alíquota nominal. O imposto único, por sua vez, é tributo cumulativo, e, assim, potencializa exponencialmente a carga fiscal nas incidências sucessivas: tributo incide sobre tributo quando se sucedem as transferências bancárias no curso da cadeia produtiva, incentivando a verticalização e a ineficiência, ou seja, o agente produtivo tende a evitar diversas transações financeiras que, do contrário, conformariam uma formatação mais eficiente em termos econômicos, fenômeno com impactos relevantes especialmente no caso do imposto único, que teria alíquota de cerca de 5%, muito superior à de 0,38% que, por exemplo, tivemos com a nossa CPMF. É evidente que a instituição do imposto único provocaria um grande êxodo do sistema financeiro, e uma sobrecarga naqueles que não pudessem evitar o uso das transações bancárias.

O princípio da justiça ou eqüidade fiscal, por sua vez, determina que devem contribuir para a manutenção do Estado apenas os indivíduos que já detêm o mínimo para a sua subsistência, e, entre aqueles que detêm além deste mínimo, o grau de contribuição há de ser determinado na proporção da capacidade econômica de cada indivíduo. O princípio se desdobra no princípio da progressividade, nos tributos diretos (exemplo da tabela do IRPF), e no princípio da seletividade nos tributos indiretos (alíquotas reduzidas de acordo com a essencialidade da mercadoria ou serviço). Nos tributos por valor agregado, a eqüidade fiscal é promovida exatamente através de alíquotas menores para bens essenciais e alíquotas maiores para bens supérfluos. No imposto único, por sua vez, a incidência é uniforme independentemente da capacidade de pagamento de cada indivíduo, o que redunda penalizando o contribuinte das classes inferiores com uma carga fiscal superior. Trata-se do fenômeno da regressividade: se todos os contribuintes e todos os produtos e serviços embutem um custo fiscal gerado através de uma mesma alíquota, proporcionalmente, o contribuinte de menor poder aquisitivo abdicará de maior percentual de sua renda para contribuir ao financiamento do Estado.

O princípio do ganho nacional, por fim, prima pela competitividade do produto e do serviço nacional no mercado internacional, sendo este um dos pilares do desenvolvimento econômico nestes tempos de globalização econômica. Os tributos por valor acrescido promovem o princípio do ganho nacional através da sua técnica não-cumulativa: o destaque do imposto em nota fiscal, aliado à sistemática de abatimento via crédito, permite identificar, quantificar e eliminar o tributo embutido no preço do produto ou serviço a ser exportado (isenção/imunidade, com manutenção do crédito), assegurando sua competitividade no mercado internacional. No caso da CPMF/imposto único, contudo, simplesmente não há como quantificar-se o custo fiscal integrante do preço, o que fará com que o país volte a exportar tributo, e renuncie ao mercado duramente conquistado na última década para os produtos e serviços brasileiros no exterior, em absoluto prejuízo ao princípio do ganho nacional. A possibilidade, no âmbito do imposto único, da concessão de um crédito presumido geral e uniforme, nas exportações, abre de tal forma as portas à fraude, que inviabiliza a sua instituição.

A eliminação da evasão e da sonegação, ademais, um dos mais fortes argumentos em favor do imposto único sobre movimentação financeira, funcionou para a CPMF, de alíquota de 0,38%, mas não funcionaria para o imposto único, que demandaria taxa de 5%. De fato, diante de tal percentual, os contribuintes simplesmente abandonariam o sistema bancário, causando, além da própria sonegação, um problema endêmico para o sistema financeiro e deletério para a economia como um todo. E o combate seria inviável: não há, seja na perspectiva jurídica, seja na econômica, como proibir-se, ou tornar ilegal, a circulação de valores em espécie, e assim a fuga total à tributação.

Vê-se, portanto, nesta breve análise, que não é à toa que nenhum outro país tenha implementado uma tributação sobre a movimentação financeira, nos moldes da nossa antiga CPMF, e que a classe produtiva brasileira deva relutar tanto ao seu retorno. Boa tributação não é a tributação mais simples, mas sim aquela dotada da estrutura adequada para articular-se com o sistema econômico cada vez mais complexo e conduzi-lo ao desenvolvimento no altamente competitivo mercado global.

por: Aristóteles Moreira Filho*

*Especialista em direito tributário pela PUC-SP. Mestre em direito tributário pela PUC-SP.  Doutorando em Direito Tributário pela USP. Advogado.