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Comentário – Vazamentos de dados do HSBC da Suíça chamam atenção para o risco da manutenção de valores não declarados no exterior
24/02/2015

Denominada de “Swissleaks”, a investigação realizada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ) trouxe à tona, na última semana, a existência de 6,6 mil contas bancárias abertas no período de 1988 a 2006, no Banco HSBC localizado na Suíça, dentre as quais contas de 4,8 mil cidadãos brasileiros com saldo no valor de U$ 7 bilhões.


A imprensa teve finalmente acesso aos dados secretos de uma investigação iniciada em 2008 pelo governo francês, através de informações vazadas por um ex-funcionário da filial suíça do HSBC, Hervé Falciani, que eram conhecidas apenas pela Justiça e pelas administrações fiscais de alguns países.


A lista de nomes divulgada pelo ICIJ contém informações de mais de 100 mil contas de titulares espalhados por diversos países, abertas na filial do HSBC em Genebra, pelas quais transitaram bilhões de dólares, supostamente dissimulando estruturas offshore e permitindo, com isso, a sonegação de impostos e a realização de lavagem de dinheiro.


De acordo com o consórcio de jornalistas investigativos, o Brasil está em nono lugar na lista de países com a maior quantia em dólares nos documentos vazados da filial suíça.


A Receita Federal divulgou, em nota oficial de 14/02/2015, que teve acesso a parte dessa lista e realizou a análise preliminar de alguns contribuintes, o que teria revelado hipóteses de omissão ou incompatibilidade de informações prestadas ao Fisco Brasileiro, entre outros casos. Ressaltou que alguns deles já haviam sido investigados anteriormente pelo órgão, “a partir de outros elementos constantes em suas bases de dados”. Com isso, anuncia medidas visando aprofundar as pesquisas sobre o tema, para trabalhar as informações obtidas e identificar o maior número possível de contribuintes relacionados. O objetivo final é apurar valores não declarados, passíveis de autuação fiscal e de representação fiscal para fins penais em razão da ocorrência de crime contra ordem tributária, utilizando-se, para tanto, de mecanismos de cooperação internacional. Informou também que “está em articulação com outras Instituições para traçar estratégia conjunta para a identificação e responsabilização desses contribuintes por eventuais crimes contra o sistema financeiro e de lavagem de dinheiro”.


O Ministério Público Federal informou na última semana que investigará a suspeita de evasão fiscal. O Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) divulgaram que irão analisar a melhor forma de obter os dados completos junto ao governo da França, onde a investigação teve início.


Cumpre salientar que a lista divulgada pelo ICIJ, obtida de forma ilegal – pois decorreu de dados vazados de um ex-funcionário do banco -, não pode ser usada como meio de prova pelas autoridades fiscais para indiciar brasileiros por supostos crimes em um eventual processo. Os nomes revelados, no entanto, poderão ser utilizados como ponto de partida para as investigações do Fisco e do Ministério Público.

 

A quebra do sigilo bancário suíço somente pode ser obtida por meio de decisão judicial, em um procedimento de cooperação judicial com o país solicitante das informações. Mesmo havendo suspeita de evasão fiscal, as administrações fiscais estrangeiras não podem em princípio, obter dados diretamente das instituições bancárias, sem antes passar pelo crivo da Justiça.


A Suíça firmou em 2009 com o Brasil Tratado de Cooperação Jurídica em Matéria Penal, possuindo um histórico de colaboração em caso de investigações. O acordo internacional prevê a possiblidade de fornecimento de informações bancárias, inclusive para a apuração de fraudes fiscais, dos brasileiros com atuação e investimentos na Suíça e vice-versa.


Mais ainda, sob pressão dos EUA e acompanhando as tendências internacionais em matéria de combate à evasão fiscal e lavagem de dinheiro, o governo suíço anunciou, em outubro de 2013, um cronograma de implementação de um sistema de trocas de informações automáticas sobre contas suíças detidas por estrangeiros. As regras devem corresponder ao padrão desenvolvido pela OCDE (CRS – Common Reporting Standars), segundo o qual anualmente os dados bancários e de investimentos em instituições financeiras serão disponibilizados automaticamente, ou seja, sem a necessidade de procedimento administrativo ou judicial prévio, para as autoridades fiscais do país de residência do contribuinte. Serão automaticamente compartilhadas informações a exemplo de nome, endereço, data de nascimento, número da conta, saldo em conta, juros e dividendos creditados em benefício do titular, além de rendimentos de outras operações realizadas, como ganhos de capital na alienação de bens e direitos. O Parlamento suíço outorgou mandato para a negociação dos acordos bilaterais e multilaterais com os diversos países, em bases segundo as quais a coleta de informações pelos bancos suíços pode entrar em vigor em 2017, devendo as informações bancárias começar a ser transmitidas aos Fiscos em 2018. Tais tendências indicam que os riscos para a manutenção de ativos não declarados no exterior se tornarão cada vez mais significativos.


Quanto aos correntistas investigados na “Swissleaks”, ainda que a lista completa seja obtida pelas autoridades brasileiras, não há possibilidade de autuação fiscal válida em relação aos rendimentos auferidos e as operações realizadas no período objeto do vazamento, de 2006 e 2007, que já foram alcançados pela decadência. Esclareça-se que o lançamento do imposto de renda é feito por homologação e o prazo para a fiscalização e eventual lançamento do tributo é de cinco anos, iniciando-se a partir da ocorrência do fato gerador (auferição de rendimentos). A ocorrência de decadência em relação ao período objeto do vazamento não impede, contudo, que os rendimentos gerados em períodos subsequentes pelos valores depositados nas mesmas contas sejam alvo das autoridades fiscais.


Não se deve olvidar de que crimes como lavagem de dinheiro e evasão fiscal têm prazo prescricional de 16 e 12 anos respectivamente, ressalvado que, no caso de crimes tributários, a constituição do crédito fiscal é, em boa parte dos casos, uma condição de punibilidade do delito, de modo que a impossibilidade de exigência do tributo implica a ausência de punibilidade no âmbito criminal.


Por fim, há a possibilidade de os contribuintes regularizarem a sua situação junto ao Fisco aderindo ao instituto da denúncia espontânea previsto no art. 138, do CTN, pelo qual o sujeito passivo, antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração, comunica ao Fisco a prática de infração tributária e a regulariza através do pagamento do tributo e dos juros de mora, eximindo-se, assim, da multa moratória, da multa punitiva e extinguindo a punibilidade por eventuais crimes de sonegação fiscal.

Quadro - resumo - "Swissleaks"

 

Período dos dados bancários investigados

1988 a 2007

 

Prova ilegal

Dados vazados de um ex-funcionário do banco - não pode ser usada como meio de prova pelas autoridades fiscais para indiciar brasileiros por supostos crimes em um eventual processo

 

Quebra do sigilo bancário

Pode ser obtida por meio de decisão judicial, em um procedimento de cooperação judicial com o país solicitante das informações.

 

Prescrição e decadência

 

 

Prazo

Início da contagem

Status

Autuação fiscal

5 anos

Auferição de rendimentos

Prazo decadencial transcorrido

Dolo, fraude ou simulação

5 anos

Primeiro dia do ano seguinte ao qual poderia o tributo ter sido lançado

Prazo decadencial transcorrido

Lavagem de dinheiro

16 anos

 

Passível de punição

Evasão de divisas

12 anos

 

Passível de punição

 

Regularização via denúncia espontânea

 

Previsão legal

Momento

Pagamento

Isenções

Art. 138, CTN

Antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração

Tributo

Multa moratória

 

 

Juros de mora

Extinção de punibilidade por eventuais crimes de sonegação fiscal