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Comentário - CARF consolida entendimento de que a cisão da pessoa jurídica gera direito de compensação de créditos à empresa recipiente
16/04/2015

Em recente decisão, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) firmou entendimento sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos tributários no caso de cisão parcial da pessoa jurídica. No Acórdão n° 1101-001.276, publicado em 26/03/2015, os Julgadores afirmaram que a operação se caracteriza pela transferência de parcelas do patrimônio da empresa cindida para uma ou mais sociedades, de forma que os bens, direitos e obrigações – incluídos os de natureza tributária – passam a ser de titularidade da pessoa jurídica recipiente e, uma vez confirmados, serão válidos para compensação com débitos desta perante a Fazenda Nacional.

 

Concluiu o CARF que o direito de compensação dos créditos tributários em favor da empresa cindida passa a integralizar o patrimônio da empresa recipiente, pois, se de um lado ela deve assumir as obrigações tributárias devidas pela sociedade cindida, “não teria o menor sentido legal, ético, jurídico ou lógico que na variável oposta (créditos da pessoa jurídica contra a Fazenda Pública) não fosse dado o mesmo tratamento isonômico, desde que, por evidente, o evento de dissensão se revista das formalidades previstas em lei, não haja simulação, não se caracterize como planejamento tributário ilícito e não mostre um evidente descompasso entre a vontade aparente e a vontade real”, fundamentou o relator.

 

Desse modo, entendeu-se estar presente o propósito negocial da operação e reconheceu-se o direito da sucessora de utilizar-se do crédito fiscal nascido da cisão, decorrente de imposto de renda retido na fonte da empresa sucedida.

 

Via de regra, a legislação federal, bem como as legislações estaduais, não permitem que haja a transferência de créditos entre estabelecimentos ou entre empresas, e, quando o permitem, condicionam à prévia autorização do órgão arrecadador, o que em geral trava o processo.

 

A Lei Complementar n° 87/96, por exemplo, dispõe expressamente que os débitos e créditos do ICMS “devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado.” Traz uma exceção, contudo, em relação a créditos decorrentes de exportação, ao permitir que o seu saldo remanescente seja transferido pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, condicionando a transferência à emissão, pela autoridade competente, de documento que reconheça o crédito.

 

Para melhor entender a questão, cumpre esclarecer que o ICMS é pautado pela não-cumulatividade, o que significa dizer que as empresas descontam do imposto devido os créditos relacionados ao ICMS pago na etapa anterior. Em muitos casos, todavia, há contribuintes que acumulam valores vultosos de créditos de ICMS, como os exportadores, contribuintes que têm grande volume de saídas interestaduais e aqueles operam com mercadorias favorecidas com benefício fiscal, tendo em vista que o tributo nas operações de saída é calculado via alíquota inferior àquele incidente nas operações de entrada. Não possuindo débitos suficientes para descontar todos os seus créditos, acumulam-se os saldos credores, e se inicia a via crúcis para conferir disponibilidade econômica a números que repousam indefinidamente na escrituração do contribuinte.

 

Neste sentido, a transferência de créditos a terceiros significa, na prática, poder negociar os valores no mercado, transformando-os em caixa, operação interessante também para quem os compra, porque a venda é feita com deságio negociado entre as partes. Contudo, mesmo quando há dispositivo legal com tal previsão, é bastante frequente, sobretudo na esfera estadual, que os Fiscos dificultem a transferência, e o contribuinte tem poucas alternativas para poder escoar o crédito de imposto acumulado.

 

Quanto ao crédito decorrente de operações de exportação, o entendimento jurisprudencial é de que, estando a hipótese expressamente prevista na lei complementar federal, os Estados não podem vedar a transferência dos créditos acumulados que tenham tal origem. Na prática, porém, os contribuintes, via de regra, só conseguem efetivar tal direito acionando a via judicial.

 

Alguns Estados concedem em circunstâncias específicas, sobretudo para contribuintes que nele se instalam como base para dar saída de mercadorias a outros Estados, regimes especiais que permitem a transferência de créditos, em especial entre empresas do mesmo grupo econômico.

 

Nas demais hipóteses, a postura do Fisco, em geral, é de inviabilizar tais operações de transferências de créditos a terceiros, seja pela falta de regulamentação, seja, quando houver previsão regulamentar, pelos caminhos tortuosos da burocracia.

 

De fato, adentrando na seara da legislação estadual, temos o exemplo do Regulamento do ICMS da Bahia, que somente permite a transferência do crédito fiscal para estabelecimento de outro contribuinte em algumas hipóteses, obedecidas as condições impostas pelo regulamento, dentre elas a exigência de utilização do crédito para pagamento de débitos decorrentes de autuação fiscal, denúncia espontânea (desde que relativa a débitos decorrentes de exercício já encerrado) e entrada de mercadoria importada do exterior.

 

A Lei Estadual n° 7.014/96 prevê que o crédito acumulado de ICMS decorre de operações ou prestações subsequentes (i) que destinem ao exterior mercadorias e serviços com não-incidência do imposto, coincidindo com a previsão da Lei Complementar; (ii) realizadas com isenção ou redução da base de cálculo ou não tributada, sempre que houver previsão legal de manutenção do crédito; (iii) com diferimento do lançamento do imposto; (iv) ou com alíquota inferior à das operações ou prestações anteriores ou realizadas exclusivamente com mercadorias sujeitas ao pagamento do imposto por antecipação ou substituição tributária.

 

O RICMS do Estado de São Paulo, por sua vez, veda a transferência de saldo de crédito entre estabelecimentos distintos, permitindo a transferência do crédito acumulado para outro estabelecimento da mesma empresa, de empresa interpendente ou de fornecedor, observadas as limitações impostas no regulamento, condicionadas à prévia autorização da Secretaria da Fazenda, em geral via concessão de regime especial.

 

O crédito acumulado, neste caso, é definido como aquele decorrente de (i) aplicação de alíquotas diversificadas em operações de entrada e de saída de mercadoria ou em serviço tomado ou prestado; (ii) operação ou prestação efetuada com redução de base de cálculo nas hipóteses em que seja admitida a manutenção integral do crédito; (iii) operação ou prestação realizada sem o pagamento do imposto nas hipóteses em que seja admitida a manutenção do crédito, tais como isenção ou não incidência, ou, ainda, abrangida pelo regime jurídico da substituição tributária com retenção antecipada do imposto ou do diferimento.

 

Diante das dificuldades que o trâmite na via administrativa proporciona, algumas empresas realizam a transferência de titularidade destes créditos por meio de operações societárias, como a cisão parcial. Cuidados na estruturação de tais operações são, no entanto, necessários, já que o Fisco tem promovido intensa fiscalização nesta seara.

 

Recentemente, a fiscalização paulista autuou uma operação societária com esse objetivo, levando a matéria à discussão pelo Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) paulista, que decidiu pela anulação do lançamento realizado pela fiscalização.  

 

No processo julgado, os créditos de ICMS, originalmente pertencentes a determinada empresa, foram transmitidos através de cisão parcial para uma segunda empresa, que, na qualidade de sucessora, incorporou a fração vertida, consistente exclusivamente em créditos do imposto. A empresa sucessora foi, então, autuada pelo fisco paulista, por entender a fiscalização que a operação societária teve apenas a finalidade de transferir os créditos de ICMS, o que implicaria em fraude, considerando que a transferência de crédito pura e simples sofre restrições e se sujeita a condições, na legislação do imposto, às quais a operação societária não atende. 

 

A empresa recipiente, em sua defesa, alegou que a cisão parcial da empresa sucedida ocorreu nos termos permitidos pelo artigo 229 da Lei das Sociedades Anônimas, com a posterior incorporação de parcela do patrimônio, e que a operação integrava um projeto de reestruturação societária cujo objetivo era alcançar eficiência operacional.

 

Ao julgar o caso, o tribunal administrativo paulista decidiu favoravelmente à empresa, sob os seguintes fundamentos: as operações de cisão e de incorporação admitem a sucessão em direitos e obrigações, sendo realizadas geralmente visando alcançar maior eficiência a um menor custo; a única forma de descaracterizar referidas operações seria mediante a prova de que teria ocorrido simulação, e o fisco não a realizou;o fato de apenas o saldo credor de ICMS ter sido vertido ao patrimônio da empresa sucessora não é irregular; os valores foram levantados por meio de laudo de avaliação e, portanto, foi cumprida a exigência da Lei 6.404/76 (lei das sociedades anônimas).

 

O tema é relevante, na medida em que confere viabilidade à possibilidade de utilização de créditos fiscais que, do contrário, têm efeito meramente decorativo na escrituração fiscal. Num momento de crise como a que se vive hoje, a perspectiva de conferir liquidez a créditos escriturais até então não passíveis de fruição pela empresa é algo auspicioso. Mais ainda, pelas suas características, a operação é compatível com virtualmente qualquer tipo de crédito de imposto, não apenas do ICMS, mas também federal, a exemplo do decorrente de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL, como de tributo municipal. 

 

Neste sentido, os precedentes, tanto do CARF quanto do TIT/SP, reforçam a legitimidade das operações, demonstrando que, bem estruturadas, se sustentam diante da fiscalização e de possível pretensão de desconsideração pela autoridade fiscal. 

Transferência de créditos tributários

 

Legislação

Estado

Dispositivo

Previsão

Lei Complementar n° 87/96

x

Art. 25

Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado.   (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000)

§ 1º Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento:

I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;

II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.

§ 2º Lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência desta Lei Complementar, permitir que:

I - sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;

II - sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado.

Decreto nº 13.780/12

Bahia

Art. 317, II

Art. 317. Os créditos fiscais acumulados nos termos do § 4º do art. 26 da Lei nº 7.014, de 4 de dezembro de 1996, poderão ser:

II - transferidos a outros contribuintes para pagamento de débito decorrente de: a) autuação fiscal; b) denúncia espontânea, desde que o débito seja de exercício já encerrado; c) entrada de mercadoria importada do exterior; d) apuração do imposto pelo regime de conta-corrente fiscal.

Decreto n° 45.490/2000 

São Paulo

Art. 73

Artigo 73 - O crédito acumulado poderá ser transferido (Lei 6.374/89, art. 46, e Convênio AE-7/71, cláusulas primeira, segunda e quarta, as duas últimas na redação dos Convênios ICM-5/87, cláusula primeira, e ICM-21/87, respectivamente):

I - para outro estabelecimento da mesma empresa;

II - para estabelecimento de empresa interdependente, observado o disposto no § 1º, mediante prévio reconhecimento da interdependência pela Secretaria da Fazenda;

III - para estabelecimento fornecedor, observado o disposto no § 2º, a título de pagamento das aquisições feitas por estabelecimento industrial, nas operações de compra de:

a) matéria-prima, material secundário ou de embalagem, para uso pelo adquirente na fabricação, neste Estado, de seus produtos;

b) máquinas, aparelhos ou equipamentos industriais, novos, para integração no ativo imobilizado e utilização, pelo prazo mínimo de um ano, em estabelecimento da empresa localizado neste Estado;

c) caminhão ou chassi de caminhão com motor, novos, para utilização direta em sua atividade no transporte de mercadoria, pelo prazo mínimo de um ano, em estabelecimento da empresa localizado neste Estado;

d) mercadoria ou material de embalagem a serem empregados pelo adquirente no acondicionamento ou reacondicionamento de produtos, realizada neste Estado; (Alínea acrescentada pelo Decreto56.101, de 18-08-2010; DOE 19-08-2010; Efeitos a partir de 1º de abril de 2010)

IV - para estabelecimento fornecedor, observado o disposto nos itens 1 e 3 do § 2º, a título de pagamento das aquisições feitas por estabelecimento comercial, nas operações de compra de:

a) mercadorias inerentes ao seu ramo usual de atividade, para comercialização neste Estado;

b) bem novo, exceto veículo automotor, destinado ao ativo imobilizado, para utilização direta em sua atividade comercial, pelo prazo mínimo de um ano, em estabelecimento da empresa localizado neste Estado;

c) caminhão ou chassi de caminhão com motor, novos, para utilização direta em sua atividade comercial no transporte de mercadoria, pelo prazo mínimo de um ano, em estabelecimento da empresa localizado neste Estado;

V - para o fornecedor de leite situado no Estado de Minas Gerais, observado o disposto em acordo celebrado pelas unidades federadas envolvidas e disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda;

VI - para o estabelecimento industrializador do petróleo bruto, decorrente de operação com combustível liquido ou gasoso ou lubrificante, derivado de petróleo, na hipótese do inciso III do artigo 71, ou decorrente de operação interestadual com álcool carburante, na hipótese do inciso I desse artigo;

VII - para estabelecimento industrializador, decorrente de operação interna realizada por estabelecimento atacadista com amendoim em baga ou em grão, adquirido de produtor paulista e ao abrigo do diferimento previsto no inciso II do artigo 350.

VIII - para estabelecimento de cooperativa centralizadora de vendas de que faça parte, por estabelecimento fabricante de açúcar ou álcool, observada a disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda. (Inciso acrescentado pelo Decreto 57.609, de 12-12-2011; DOE 13-12-2011; Efeitos a partir de 01-01-2012)

 

Decisões Administrativas

 

Tribunal

N° do processo

Ementa

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)

13819.000531/00-94 (Acórdão n.º 1101001.276)

ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Ano calendário: 1995

Cisão. Direito Creditório da Cindenda. Cabimento.

Na forma do artigo 229, da Lei nº 6.404/1976, cisão é a operação pela qual uma pessoa jurídica transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo- se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão. Com o evento, os bens, direitos e obrigações, incluídos os de natureza tributária, passam a ter natureza de créditos próprios da pessoa jurídica cindenda e assim válidos, desde que confirmados, para compensação com débitos desta para com a Fazenda Nacional.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

 

Acordam os membros do colegiado em DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso voluntário, com retorno à unidade de origem para análise da existência de suficiência e disponibilidade dos créditos para as compensações promovidas ou a promover, até o limite do crédito apurado e reconhecido, divergindo a Conselheira Maria Elisa Bruzzi Boechat, que negava provimento integral. Declarou-se impedida a Conselheira Edeli Pereira Bessa, substituída no Colegiado pela Conselheira Maria Elisa Bruzzi Boechat.

Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) - São Paulo

DRT5-609971-09

ICMS. Acusação de transferência irregular de créditos fundada em ato societário de incorporação de estabelecimento que teria sido implementado, segundo o AIIM, “..com a finalidade de dissimular a natureza (transferência de saldo credor) de elementos constitutivos da obrigação tributária ...". Decisão recorrida que não acata a pretensão fiscal com base na prova dos autos. Recurso especial fazendário que não se conhece (i) em razão da impossibilidade de reavaliação de provas nesta fase recursal e (ii) também por ausência de paradigma apto.