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Comentário – Divergência em relação à entrada em vigor da Emenda Constitucional do ICMS comércio eletrônico gera dúvidas quanto ao início da cobrança do tributo para os Estados de destino
28/04/2015

No último dia 17, foi publicada a Emenda Constitucional n° 87/2015, que recebeu a denominação de EC do comércio eletrônico, por ter alterado a sistemática de recolhimento do ICMS para produtos comercializados pela internet, por telefone ou em comércio não presencial. Com as novas regras, nas operações interestaduais não presenciais, o tributo deixará de ser recolhido integralmente aos Estados de origem e passará, gradativamente, a beneficiar também os Estados de destino das mercadorias.

 

O ICMS, como se sabe, incide sobre operações de circulação - ou venda - de mercadorias. As chamadas operações interestaduais ocorrem quando a mercadoria é vendida a partir de um estabelecimento localizado em um Estado (origem), para um estabelecimento localizado em outro Estado (destino).

 

Quando o ciclo da mercadoria tem início no Estado onde está instalada a indústria, sendo posteriormente remetido para outro comerciante situado em Estado diverso, e este acaba vendendo ao consumidor final nele situado, os dois Estados ficam com uma parcela da arrecadação do ICMS que incide sobre aquela mercadoria, tendo em vista que ocorrem operações em ambos os Estados, com incidência do imposto em cada transação e a arrecadação, revertida para o Estado em que ocorre a respectiva operação e agregação de valor, resulta partilhada entre ambos. Essa é a situação que ocorre geralmente nas vendas físicas ou presenciais. Com a instituição da venda remota de mercadorias, seja através da internet, telemarketing, showroom ou telefone, a situação é diversa: as mercadorias são vendidas diretamente pelo produtor (fabricante, situado no Estado de origem) ao consumidor final, de modo que o Estado de origem se apropria de todo o imposto incidente na cadeia de circulação da mercadoria.

 

De fato, até recentemente, a operação interestadual destinada a consumidor final era equiparada a uma operação interna e o ICMS era devido apenas ao Estado produtor. No entanto, isso vinha ocasionando uma grande perda de arrecadação para os Estados de destino da mercadoria adquirida através do comércio eletrônico. Inconformados, alguns Estados nesta situação firmaram o Protocolo ICMS n° 21/2011, passando a cobrar o ICMS como se a mercadoria também tivesse sido comercializada nos seus respectivos Estados, o que gerou um aumento na carga tributária.

 

O referido protocolo foi discutido por meio de ações diretas de inconstitucionalidade e, em setembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, por entender que o Protocolo ICMS n° 21/2011 violava o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alínea b da Constituição Federal. Somente a sua alteração (através de emenda constitucional) poderia modificar esse cenário, regularizando a perda de arrecadação dos Estados não produtores.

 

A luta politica dos Estados consumidores para se apropriar da receita de ICMS com o comércio eletrônico resultou afinal, na edição da Emenda Constitucional (“EC”) n° 87/2015, pela qual foi alterado o dispositivo constitucional que rege a partilha do ICMS em tais operações. Antes de tal, a previsão do artigo era de que em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado em outro Estado, deveria ser adotada a  a alíquota interna, revertida integralmente ao Estado de origem.

 

Com a Emenda 87/2013, o inciso VII, do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, passou a ter a seguinte redação: “nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual”.

 

Ressalte-se que nas operações e prestações interestaduais realizadas entre dois contribuintes normais do ICMS, nada mudou. Na hipótese em que o adquirente é consumidor final da mercadoria, o Estado de origem continuará recolhendo ICMS com a utilização da alíquota interestadual, e o Estado de destino do bem, mercadoria ou serviço, recolherá o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual.

 

Com as novas regras, este regime de recolhimento de diferencial de alíquota nas operações interestaduais ao Estado de destino foi estendido para todas as operações interestaduais, não apenas para aquelas destinadas a contribuinte do imposto, mas também para não contribuintes,  para o qual foi modificada a sistemática de cobrança do ICMS incidente sobre as operações. Essa alteração beneficiará gradativamente os Estados de destino, uma vez que o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, no comércio eletrônico, deixará de ser recolhido em sua integralidade aos Estados de origem, passando a ser direcionado também aos Estados de destino, a partir de uma tabela anual gradativa, até ser em 2019 100% consolidada no Estado de destino.

 

A mencionada gradatividade se deve a outra alteração promovida pela EC, que foi a inclusão do artigo 99 no ADCT, dispondo sobre a sistemática de cobrança do ICMS, até o ano de 2019. Em razão da regra de transição contida no mencionado dispositivo, o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino nos termos da seguinte proporção:

 

I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;

 

II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

 

III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

 

IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

 

V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.

 

Isso significa que os Estados de origem não irão perder de imediato a parcela total que lhe era devida, referente ao diferencial de alíquotas nas operações realizadas com não contribuintes do imposto situados no Estado de destino. Somente em 2019 os Estados de destino ficarão com a totalidade do ICMS devido em relação ao diferencial de alíquotas.

 

Há, no entanto, grande polêmica quanto à entrada em vigor da EC n° 87/2015, em virtude da redação dos seus arts. 2° (que acrescentou o artigo 99 ao ADCT) e 3°. Isso porque, o art. 3° da Emenda prevê que ela entra em vigor na data de sua publicação, sendo que somente produzirá efeitos “no ano subsequente e após 90 (noventa dias) desta”, ou seja, em 2016. Já o art. 99, I, do ADCT, determina que para o ano de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação decorrente da diferença entre alíquotas será revertida para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem.

 

Ora, o que se verifica é um choque, uma antinomia entre dois dispositivos de uma mesma norma. De acordo com entendimento jurisprudencial firmado pelo STF, nestes casos a antinomia não pode ser resolvida pelos critérios da sucessividade no tempo ou da hierarquia, porque esses critérios pressupõem a existência de duas normas diversas, uma posterior à outra ou que lhe seja hierarquicamente superior.

 

Na hipótese em análise, é preciso verificar se a antinomia entre os dois textos da mesma hierarquia e vigentes ao mesmo tempo é uma antinomia aparente, e, portanto, solúvel, ou se é um antinomia real, e, consequentemente, insolúvel. A antinomia aparente é aquela que permite conciliar os dispositivos antinômicos, ainda que pelo que se denomina "interpretação corretiva"; a antinomia real, por sua vez, não permite essa conciliação, sendo necessário adotar a denominada "interpretação abrogante", através da qual ou o intérprete elimina uma das normas contraditórias (ab-rogação simples) ou elimina as duas normas contrárias (ab-rogação dupla). De acordo com o Supremo, dessas três soluções, a que deve ser preferida - só sendo afastável quando de forma alguma possa ser utilizada - é a interpretação corretiva, que conserva ambas as normas incompatíveis por meio de interpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a incompatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de parcial modificação no texto da lei.

 

No caso, é inconteste a incompatibilidade entre os dispositivos que determinam a entrada em vigor da EC n° 87/2015, somente podendo prevalecer uma das interpretações.

 

Para os que adotam o posicionamento de que as novas regras representam aumento da carga tributária, deve ser observado o princípio da anterioridade do exercício e da noventena, de modo que a regra prevista no artigo 1º somente deveria produzir efeitos, em qualquer hipótese, a partir de 1º de janeiro de 2016.  Sendo assim, a regra insculpida no art. 99, I, da ADCT seria considerada inócua, não podendo produzir efeitos ainda em 2015. Passaria então a vigorar, em 2016, o inciso II do art. 99, da ADCT, que determina que 40% (quarenta por cento) da diferença entre a alíquota interna e a interestadual será devida ao Estado de destino e 60% (sessenta por cento) ao Estado de origem, sendo que no ano corrente não haveria qualquer partilha entre os Estados.

 

Há ainda os que entendem que a EC nº 87/2015 não representa aumento da carga tributária, já que não haveria alteração do custo fiscal total incidente na cadeia em relação ao que vigora hoje em dia, equivalente à alíquota interna, seja (i) integralmente paga ao Estado de origem (regime anterior à EC 87/2015), seja (ii) repartida (regime posterior à EC 87/2015) entre origem (alíquota interestadual) e destino (diferença ente alíquota interna e interestadual). Tal análise, contudo, é econômica, na medida em que, juridicamente, trata-se da criação de uma nova cobrança do ICMS via instituição de diferencial de alíquota em hipótese antes inexistente, ainda que compensada economicamente pela aplicação da alíquota interestadual no lugar da alíquota interna.

 

Certamente, os Estados de destino tentarão fazer valer a segunda interpretação, pela aplicação imediata da EC nº 87/2015, que já lhes beneficia a partir do ano corrente.

 

A aprovação da EC n° 87/2015 trouxe maior justiça financeira na repartição, entre os Estados-membros, da competência e das receitas relacionadas ao ICMS, vis-à-vis o novo modelo de comércio que tem se delineado ao longo dos últimos anos, buscando, com isso, minimizar as desigualdades regionais no recolhimento do imposto e a consequente guerra fiscal entre os Estados. Suas imperfeições e o desmazelo com que foi editada prenunciam, porém, para Fisco e contribuintes, a abertura de mais uma frente de batalha em nossos tribunais.

Alterações promovidas pela EC n° 87/2015

 

Art. 155, da CFRB/88

 

 

Redação anterior

Redação dada pela EC 87/2015

Art. 155 (...)

Art. 155 (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

a) (revogada);

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

b) (revogada);

 

 

VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;

 

Art. 99, do ADCT (inserido pela EC n° 87/2015)

 

Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:

I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;

II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.

 

Art. 3º, da EC n° 87/2015

 

Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subsequente e após 90 (noventa) dias desta.

 

Divergência quanto à produção de efeitos

 

Corrente

Produção de efeitos

Adota o posicionamento de que as novas regras representam aumento da carga tributária

A regra prevista no artigo 1º somente deverá produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2016.  Sendo assim, a regra insculpida no art. 99, I, da ADCT é considerada inócua, não podendo produzir efeitos ainda em 2015.

Adota o posicionamento de que a alteração não representa aumento da carga tributária

A EC n° 87/2015 poderá passar a vigorar já em 2015.