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Comentário – Governo anuncia revogação do benefício da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio
08/06/2015

Dentre as medidas previstas pelo Governo Federal para garantir a meta de superávit primário neste e nos próximos anos, está a extinção do regime jurídico de juros sobre capital próprio, que prevê a possibilidade de remuneração dos sócios da pessoa jurídica através de despesa dedutível do Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido a serem recolhidos pela empresa, em alternativa à distribuição de lucros e dividendos, que não são deduzidos do lucro tributável da entidade empresarial.


Os juros sobre capital próprio (“JCP”) são definidos no art. 9°, da Lei 9.245/95, que prevê a dedutibilidade, para efeitos de apuração do lucro real, dos valores pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo.


O fundamento jurídico-contábil sobre o qual estaria baseado o pagamento dos juros sobre capital próprio aos acionistas é a indisponibilidade temporária dos seus recursos investidos na companhia. Considera-se que, ao aplicar recursos em uma sociedade, o acionista opta por se privar deles durante um certo espaço de tempo, tendo por objetivo resgatá-los futuramente por um valor razoável, e fazê-lo gerar rendimentos no período durante o qual está alocado na entidade.


Ao invés de pagar juros sobre capital próprio, a companhia pode também remunerar os acionistas exclusivamente através do pagamento de dividendos, que é a forma tradicional de remuneração da participação social nos termos da legislação empresarial. No entanto, conforme restará melhor esclarecido abaixo, essa não é, muitas vezes, a opção mais vantajosa para a empresa.


Esclareça-se que os dividendos decorrem do desempenho financeiro da entidade empresarial, ou seja, do lucro apurado pela empresa no período de um ano, sendo obrigatório o seu pagamento, nos termos e montante definidos conforme os critérios legais. Os juros sobre capital próprio, por sua vez, têm origem nos lucros apurados no exercício que se encerra e acumulados nos anos anteriores, e têm por finalidade, conforme mencionado, remunerar o investidor pela indisponibilidade do capital aplicado na companhia, com determinadas vantagens legais.


O diferencial em remunerar os acionistas com juros sobre capital próprio reside exatamente no seu tratamento fiscal, aplicado às empresas optantes pelo lucro real: como são considerados despesas dedutíveis do lucro contábil (limitado a uma parcela do patrimônio da empresa), a sociedade, ao pagar JCP, recolhe menor tributação sobre o lucro, quer dizer, reduz o IRPJ e a CSLL a pagar, o que não ocorreria caso remunerasse os acionistas através de dividendos. Os dividendos diferem dos JCP, dentre outras razões, por não serem considerados despesas, não podendo, portanto, ser deduzidos do lucro. Dessa forma, os valores que, no regime de dividendos, sofreriam uma tributação de 34% na empresa (IRPJ de 15% mais 10% de adicional; CSLL de 9%), no regime de JCP, sofrem uma tributação de 15% (IRRF) no beneficiário, retidos na fonte.


Outra vantagem para a companhia em pagar os JCP é que ela pode imputar os valores pagos a esse título no montante dos dividendos obrigatórios. Isso significa que os valores pagos como JCP poderão ser deduzidos dos valores que a companhia deve obrigatoriamente distribuir aos acionistas a título de dividendos, nos termos da legislação societária.


Apesar de haver sido instituído como uma alternativa à distribuição de dividendos, o JCP não equivale aos dividendos para todos os efeitos legais, o que exige atenção e cautela na sua utilização. Uma das hipóteses em que tal distinção tem consequências práticas é na distribuição desproporcional ao capital social, que, em se tratando de dividendos, é possível, no caso de JCP, porém, não é admitido pela Receita Federal. Outro ponto de atenção é que os JCP devem ser registrados no regime de competência, ou seja, sua contabilização deve ocorrer no mesmo período em relação ao qual os JCP serão apurados, não cabendo, segundo o entendimento da Receita Federal, o pagamento de JCP calculados em relação a exercícios à época dos quais os JCP não foram contabilizados (chamado JCP retroativos).


No plano internacional, existe insegurança quanto à qualificação dos JCP nos tratados internacionais para evitar dupla tributação, especialmente quanto aos países cujo tratado celebrado com o Brasil não faz, em seu protocolo, menção ao tratamento conferido ao JCP. Como é uma figura da lei brasileira, híbrida de remuneração de capital próprio (equity) e de terceiros (debt), os países estrangeiros ora enquadram as remessas de JCP como juros, ora como dividendos, o que tem consequências práticas que impactam os negócios e devem ser considerados.


Também necessária é a atenção no cálculo do JCP a ser pago aos sócios, uma vez que seu montante deve estar limitado estritamente à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo (“TJLP”) aplicada à participação de cada sócio no capital social, limitado ainda ao valor correspondente à metade dos lucros acumulados, reservas de lucros e lucros apurados no exercício. A superação do limite legal enseja a aplicação do tratamento fiscal de remuneração indireta, com incidência de tributação normal sobre a renda da pessoa física ou jurídica.


Ademais, apesar de serem computados como despesas para a empresa que efetua o seu pagamento, para os acionistas os JCP são receitas tributáveis (ressalvadas imunidade ou isenção específicas), sendo necessária a retenção de imposto de renda na fonte à alíquota de 15% (IRRF), na data do pagamento ou crédito ao beneficiário. No caso das pessoas físicas e empresas não sujeitas ao regime do lucro real, a retenção de 15% é definitiva na fonte, o que mantém a atratividade do JCP, em comparação com a tributação de 34% do lucro no regime de dividendos (lucro apurado pela empresa antes de sua distribuição). No caso dos acionistas que sejam empresas optantes pelo lucro real, os 15% retidos são mera antecipação do imposto devido na apuração do lucro do exercício, de modo que os benefícios nesta hipótese se relativizam, uma vez que haverá incidência de IRPJ e CSLL sobre os JCP quando da tributação do lucro final do exercício. Para as empresas optantes pelo lucro real exige ainda a Receita Federal as contribuições sobre PIS e Cofins pelos montantes recebidos a título de JCP, considerados pelo Fisco federal como receitas financeiras. A discussão, que é controversa e tem sido objeto de questionamento dos contribuintes nos tribunais, não afeta, porém, a maioria das pessoas optantes pelo lucro presumido, que, submetidas ao regime cumulativo de PIS/Cofins, já obtiveram na justiça decisão reconhecendo a inconstitucionalidade da incidência de PIS/Cofins sobre receitas financeiras.


Com a perspectiva do fim desse benefício, as companhias poderão perder a fruição da dedutibilidade dos JCP, o que acarretará, potencialmente, em aumento da sua carga tributária. A questão chama, de qualquer forma, atenção para este instrumento de redução de carga tributária, de modo que, caso ainda se mantenha em vigor, coloca-se como medida fundamental, no contexto atual de crise, para as empresas que dele ainda não se utilizam.


Juros sobre capital próprio

 

Previsão legal

Art. 9°, da Lei 9.249/95

 Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP.

 

Diferença entre juros sobre capital próprio e dividendos

Juros sobre capital próprio

Dividendos

Fundamenta-se na indisponibilidade dos recursos dos acionistas

Fundamenta-se na existência de lucro proveniente do sucesso da atividade empresarial

Considerados despesas, dedutíveis do lucro

Não são considerados despesas, não podendo ser deduzidos do lucro

Não são obrigatórios

Sendo verificados os pressupostos legais, são devidos dividendos obrigatórios

Seu cálculo é feito com base no patrimônio líquido e na taxa de juros de longo prazo (TJLP)

Cálculo feito com base no lucro líquido

Receitas tributáveis pelo imposto de renda para o acionista que os recebe

Isentos de imposto de renda ao acionista

No regime de JCP, os valores que o beneficiário recebe sofrem uma tributação de 15% (IRRF), retidos na fonte.

Os valores pagos a título de dividendos sofrem uma tributação de 34% na empresa (IRPJ de 15% mais 10% de adicional; CSLL de 9%)