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Comentário – Autuação de viajante Iraniano pela Receita Federal chama atenção para os requisitos do regime especial aduaneiro de admissão temporária
01/07/2015

O iraniano Ebrahim Hemmatnia, naturalizado holandês, partiu de Senegal no final do ano passado em um barco-bicicleta e atravessou pedalando o Oceano Atlântico em uma viagem de 68 dias, chegando em janeiro deste ano a Fortaleza, no Ceará. A expedição, segundo o viajante, teve o propósito social de ajudar a criar um mundo sem fronteiras.

 

Ao entrar no Brasil, Ebrahim recebeu um visto de permanência de 90 dias e lhe foi informado que o veículo estaria isento da cobrança de tributos. O iraniano foi cientificado de que, caso permanecesse além do prazo permitido, deveria pagar uma multa diária de R$ 8,28. Como já havia feito um grande investimento para vir ao Brasil, decidiu pagar esse valor para ficar algumas semanas a mais.

 

No entanto, o que ele não sabia é que a permanência com o bem no território brasileiro além do prazo de permanência regular iria lhe gerar uma multa na Receita Federal de US$ 18 mil (equivalente a R$ 54 mil), um percentual do valor declarado do veículo.

 

Sem dinheiro para pagamento da multa, ele retornou à Holanda para conseguir ajuda com patrocinadores, e teve que deixar o veículo em São Paulo.

 

A entrada temporária, no Brasil, de veículos de procedência estrangeira, é regulada pelo regime aduaneiro especial de admissão temporária, que está regulamentado pela Instrução Normativa da Receita Federal n° 1.361/13 e permite a importação temporária de bens que devam permanecer no Brasil por prazo fixo, com a suspensão total ou parcial do pagamento de tributos incidentes na importação, como IPI, PIS/Pasep-Importação, Cofins-Importação, Cide, II (Imposto de Importação) e AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante). Para a incidência do regime, deve ser obedecida a finalidade e o período de tempo determinado, sendo exigido também o compromisso de reexportação dos bens dentro do prazo concedido.

 

Os bens submetidos ao regime de admissão temporária com suspensão total do pagamento de tributos estão previstos no art. 5° da IN RFB 1361/13, sendo admitidos nesta categoria, dentre outros, aqueles destinados a: eventos científicos, técnicos, políticos, educacionais, religiosos, artísticos, culturais, esportivos, comerciais ou industriais; manutenção, conserto ou reparo de bens estrangeiros, inclusive de partes e peças destinadas à reposição e prestação de serviços de manutenção e reparo de bens estrangeiros, contratada com empresa sediada no exterior.

A suspensão total será aplicada aos bens previstos no art. 5° da IN, No caso de bens destinados à utilização econômica, a suspensão será parcial.

 

Já os bens destinados à utilização econômica, assim considerados aqueles que serão empregados na prestação de serviços a terceiros ou na produção de outros bens destinados à venda, se enquadram no regime de admissão temporária para utilização econômica, e estão sujeitos ao pagamento de IPI, PIS/Pasep-Importação, II e Cofins-Importação, à razão de 1%  a cada mês, ou fração de mês, compreendido no prazo de vigência do regime, sobre o montante dos tributos originalmente devidos, limitado a 100%. Dentre eles estão os bens destinados a servir de modelo industrial, sob a forma de moldes, matrizes ou chapas e as ferramentas industriais. A suspensão, nesse caso, será parcial.

 

Há ainda a admissão temporária de partes e peças para reposição ou substituição, que será efetuada de acordo com o regime concedido para o bem a que se destinam.

 

Para a concessão e aplicação do regime, algumas condições deverão ser observadas: (i) a importação deverá se dar em caráter temporário; (ii) não poderá ter cobertura cambial; (iii) a finalidade para a qual os bens foram importados deverá ser obedecida; (iv) a utilização dos bens deverá estar em conformidade com o prazo de permanência constante da concessão; e (v) deverá haver identificação dos bens. Além disso, quando se tratar de bens com importação sujeita à prévia manifestação de outros órgãos da administração pública além da Receita Federal, a concessão do regime dependerá da satisfação desse requisito ou da obtenção da licença de importação correspondente.

 

O montante dos tributos incidentes na importação, com pagamento suspenso em decorrência da aplicação do regime de admissão temporária será consolidado em Termo de Responsabilidade (TR), que será constituído na própria Declaração de Importação ou no documento que servir de base para a admissão no regime. O TR será dispensado em determinadas hipóteses previstas na legislação, dentre elas quando os bens admitidos forem veículos terrestres, aeronaves, unidades de carga e embalagens.

 

Quanto ao prazo de vigência do regime, será de seis meses, prorrogáveis por mais seis; ou, excepcionalmente, no prazo previsto no contrato de importação entre o beneficiário e a pessoa residente ou domiciliada no exterior (prorrogável por igual período) ou em lei ou decreto que disponha sobre hipótese especial de aplicação do regime.

 

Em relação aos bens de viajante, veículos terrestres e embarcações de esporte e recreio, inclusive motos aquáticas, contudo, o prazo do regime está vinculado ao tempo de permanência temporária regular do viajante estrangeiro, que, na lei brasileira, é de 90 dias para a maioria dos países, conforme a nacionalidade do viajante. Foi exatamente aí que o iraniano Ebrahim Hemmatnia acabou por transgredir o regime de admissão temporária. Ao entrar no país como turista e autorização de permanência por 90 dias, teve seu veículo admitido no país temporariamente por igual prazo, perante a receita Federal, condição que, conduto, tendo levado mais de 100 dias apenas para percorrer as rodovias brasileiras do Ceará até São Paulo, não conseguiu cumprir.

Na hipótese de violação do regime de admissão temporária, cabe, em qualquer hipótese, como o iraniano pode afinal constatar, o recolhimento da multa de 10% do valor aduaneiro da mercadoria, pelo descumprimento de condições, requisitos ou prazos estabelecidos para aplicação do regime, conforme previsão do art. 72, I, da Lei n° 10.833/2003. A aplicação de multa não prejudica ainda, quando cabível, a exigência dos impostos incidentes, a aplicação de outras penalidades cabíveis e a representação fiscal para fins penais.

Para esta hipótese, de autuação pelo órgão fazendário por violação do regime especial aduaneiro, conta o contribuinte afinal, como em qualquer caso de atos de cobrança, com a possibilidade de defesa, tanto administrativa quanto judicial, em que se podem expor os argumentos e questionar o ato de imposição de penalidades e exigência de tributos. Igual oportunidade usufruiu o viajante iraniano, cuja epopeia, desde o Senegal até o Brasil, tanto repercutiu na imprensa brasileira que um advogado se sensibilizou com a sua historia e abraçou, de forma voluntária, a sua defesa contra o maior obstáculo que encontrou o viajante na sua jornada; maior que os tubarões que destruíram o seu leme; maior que as intempéries durante os dois meses navegando no oceano atlântico; a Receita Federal do Brasil, suas regras e procedimentos.

Instrução Normativa RFN n° 1361/2013

Regime aduaneiro especial de admissão temporária

Destaques

 

Previsão

Dispositivo

Bens e materiais sujeitos à suspensão total do pagamento dos tributos

Art. 2°

I - destinados a competições e exibições desportivas internacionais;

II - para emprego militar;

III - relacionados a visitas de dignitários estrangeiros;

IV - relacionados a atividades de lançamento de satélites;

V - destinados a manutenção e reparos na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAA);

VI - para atividades de caráter humanitário;

VII - ao amparo da Convenção de Istambul;

VIII - de caráter cultural/Mercosul;

IX - de caráter cultural/demais países;

X - para pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;

XI - integrantes de bagagem;

XII - procedentes da República Oriental do Uruguai, destinados a serem utilizados em projetos vinculados:

a) ao Tratado de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia da Lagoa Mirim e ao Protocolo para o Aproveitamento dos Recursos Hídricos do Trecho Limítrofe do Rio Jaguarão, promulgados pelo Decreto nº 81.351, de 17 de fevereiro de 1978, e

b) ao Acordo de Cooperação para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia do Rio Quaraí, promulgado pelo Decreto nº 657, de 24 de setembro de 1992.

XIII - destinados a eventos científicos, técnicos, educacionais, artísticos, políticos e religiosos.

Parágrafo único. Serão adotados procedimentos diferenciados na aplicação dos regimes de que trata o caput, também, a:

I - veículos;

II - embarcações

III - aeronaves; e

IV - unidades de carga e embalagens.

 

Conceito

Art. 3º

O regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos incidentes na importação, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica, na forma e nas condições previstas nesta Instrução Normativa.

 

Tributos abrangidos pela suspensão

Art. 3º, § 1º

I - o Imposto de Importação (II);

II - o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

III - a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços (PIS/Pasep-Importação);

IV - a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior (Cofins-Importação);

V - a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool etílico combustível (Cide); e

VI - o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

 

Condições para a concessão e aplicação do regime

Art. 4°

I - importação em caráter temporário;

II - importação sem cobertura cambial;

III - adequação dos bens à finalidade para a qual foram importados;

IV - utilização dos bens em conformidade com o prazo de permanência constante da concessão; e

V - identificação dos bens.

 

Da Admissão Temporária com Suspensão Total do Pagamento de Tributos

Arts. 5° e 6°

Aplica-se aos bens destinados a:

I - eventos científicos, técnicos, políticos, educacionais, religiosos, artísticos, culturais, esportivos, comerciais ou industriais;

II - manutenção, conserto ou reparo de bens estrangeiros, inclusive de partes e peças destinadas à reposição;

III - prestação de serviços de manutenção e reparo de bens estrangeiros, contratada com empresa sediada no exterior;

IV - reposição temporária de bens importados, em virtude de garantia;

V - seu próprio beneficiamento, montagem, renovação, recondicionamento, acondicionamento, reacondicionamento, conserto, reparo ou restauração;

VI - homologação, ensaios, testes de funcionamento ou resistência, ou ainda a serem utilizados no desenvolvimento de produtos ou protótipos;

VII - reprodução de fonogramas e de obras audiovisuais, importados sob a forma de matrizes;

VIII - assistência e salvamento em situações de calamidade ou de acidentes que causem dano ou ameaça de dano à coletividade ou ao meio ambiente;

IX - produção de obra audiovisual ou cobertura jornalística;

X - atividades relacionadas com a intercomparação de padrões metrológicos aprovadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro);

XI - realização de atividades de pesquisa e investigação científica, na plataforma continental e em águas sob jurisdição brasileira, autorizadas pela Marinha do Brasil, nos termos do Decreto nº 96.000, de 2 de agosto de 1988;

XII - promoção comercial, inclusive amostras sem destinação comercial e mostruários de representantes comerciais; e

XIII - pastoreio, adestramento, cobertura e cuidados da medicina veterinária.

Parágrafo único. O disposto no caput abrange outros bens ou produtos manufaturados e acabados, autorizados, em cada caso, pelo responsável pela concessão do regime, de acordo com os procedimentos estabelecidos em ato administrativo específico da Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana).

Consideram-se automaticamente submetidos ao regime de admissão temporária, dispensados das formalidades necessárias ao controle aduaneiro, os impressos, folhetos, catálogos, softwares e outros materiais operacionais ou explicativos alusivos à utilização dos bens já admitidos no regime.

 

Da Admissão Temporária para Utilização Econômica

Art. 7°

Os bens a serem empregados na prestação de serviços a terceiros ou na produção de outros bens destinados à venda poderão ser submetidos ao regime de admissão temporária, com pagamento do II, do IPI, do PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, à razão de 1% (um por cento) a cada mês, ou fração de mês, compreendido no prazo de vigência do regime, sobre o montante dos tributos originalmente devidos, limitado a 100% (cem por cento).

 

 

Da Admissão Temporária para Reposição ou Substituição

Art. 8°

A admissão temporária de partes e peças para substituição será efetuada de acordo com o regime concedido para o bem a que se destinam.

 

Das Condições e Prazos

Arts. 12 e 13

O regime será concedido a pessoa física ou jurídica que promova a importação do bem.

O regime poderá ser concedido também aos beneficiários listados abaixo, desde que previamente habilitados no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) - não se aplicando ao regime de admissão temporária para utilização econômica:

I - entidade promotora do evento a que se destinam os bens;

II - pessoa jurídica contratada como responsável pela logística e despacho aduaneiro dos bens; ou

III - tomador de serviços, no caso de bens trazidos por viajante ou a este consignado.

O prazo de vigência do regime será:

I - de 6 (seis) meses, prorrogáveis automaticamente por mais 6 (seis) meses; ou

II - o prazo previsto:

a) no contrato de importação entre o beneficiário e a pessoa residente ou domiciliada no exterior, prorrogável na mesma medida deste; ou

b) em lei ou decreto que disponha sobre hipótese especial de aplicação desse regime.

O prazo de seis meses não se aplica:

I - aos bens admitidos temporariamente ao amparo de acordos internacionais;

II - aos bens de viajante, veículos terrestres e embarcações de esporte e recreio, inclusive motos aquáticas, cuja vigência do regime está vinculada ao tempo de permanência temporária regular do estrangeiro ou do brasileiro não residente no País, observadas as disposições complementares das Subseções VII, VIII e IX;

III - às aeronaves e embarcações, excetuando-se as embarcações compreendidas nos termos do inciso II, cuja vigência do regime está vinculada à autorização dos órgãos de controle competentes, observadas as disposições complementares das Subseções IX e X; e

IV - à hipótese de que trata o inciso VI do art. 5º (homologação, ensaios, testes de funcionamento ou resistência, ou ainda a serem utilizados no desenvolvimento de produtos ou protótipos), cuja vigência do regime poderá ser de até 5 (cinco) anos.

§ 2º Caso o prazo previsto no inciso II do caput for menor do que o do inciso I do caput, prevalecerá o prazo deste último.