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Comentário – Riscos tributários e a responsabilidade tributária do grupo econômico
08/07/2015

O cenário empresarial global segue uma tendência de aumento da produtividade e dos lucros, e com isso abrem-se as portas para a criação de grupos econômicos, compostos por empresas que compõem uma unidade empresarial e compartilham objetivos e metas, mas que, ainda assim, conservam sua autonomia jurídica e econômica, mantendo intocadas as personalidades jurídicas das respectivas sociedades e seus patrimônios individualizados.


Neste cenário de ascendência dos grupos econômicos, não apenas na economia global mas também dentro do mercado brasileiro, tornam-se crescentes as preocupações dos gestores quanto à possibilidade de contágio de débitos e outros riscos de natureza tributária entre empresas que integram um mesmo grupo empresarial, inclusive a possibilidade de redirecionamento da cobrança da dívida fiscal, de uma empresa para outra e para os seus sócios.


O conceito de sociedade empresária pode ser claramente visto no Código Civil, que assim define a sociedade que exerce atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Dentro desse conjunto estão diversos tipos societários, cada um com seu regramento específico, a exemplo do nome coletivo, comandita simples, anônima, limitada, comandita por ações, sociedades cooperativas e coligadas.


O fato de atrair a responsabilidade é uma das características mais marcantes das sociedades empresariais, notadamente das sociedades limitadas, já que se constituem em pessoas jurídicas responsáveis pelos débitos decorrentes do exercício de suas próprias atividades, garantindo, ao empreendedor, a segurança (a si próprio e ao capitalista investidor) de limitar as perdas ao capital investido no negócio. Ocorre, portanto, separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros, que respondem no limite da sua participação societária (desde que não incorram na prática de atos ilícitos capazes de desconstituir a personalidade jurídica, conforme restará melhor esclarecido adiante).


No que concerne aos grupos empresariais, o direito brasileiro prevê duas espécies: o de direito e o de fato. O primeiro é disciplinado pela Lei de Sociedades Anônimas, e é composto por um conjunto de empresas que direcionam seus negócios através de um mecanismo de controle e direção centralizados, cujos objetos sociais são intrinsecamente relacionados; além disso, é necessário que as sociedades empresárias convencionem expressamente recursos e esforços em prol dos objetivos em comum, prevendo ainda a legislação que não haverá responsabilidade solidária entre elas, cabendo a cada uma responder por suas obrigações. A segunda espécie, formada pelo grupo econômico de fato, está definido na legislação trabalhista e em atos infralegais da seara previdenciária e tributária, e caracteriza-se quando existir controle, administração ou direção entre as sociedades envolvidas.


Importante ressaltar que muitas vezes, do ponto de vista formal, para a formação do grupo econômico, pode acontecer de as sociedades não serem caracterizadas como coligadas ou mesmo controladas, mas, em função de determinados indícios - como a identidade de administradores e contadores, estrutura administrativa compartilhada ou atuação idêntica, dentre outros - conclui-se pela formação de grupo econômico de fato, ensejando o redirecionamento de dívidas fiscais.


Há, no direito brasileiro, algumas possibilidades legais que, em princípio, autorizariam esse redirecionamento. O fundamento previsto no artigo 124, I do Código Tributário Nacional, adota dois critérios para firmar a responsabilidade solidária entre as empresas: (i) interesse comum na situação que constitua o fato jurídico tributário e (ii) designação expressa em lei. A primeira hipótese torna imprescindível que haja interesse jurídico comum, o que ocorre quando as empresas realizam conjuntamente o fato gerador, ou seja, a transação objeto da cobrança tributária. Vale enfatizar que para a caracterização da responsabilidade solidária, não se pode confundir interesse jurídico com interesse econômico, sendo que este pode se constituir, por exemplo, com a mera participação no resultado dos eventuais lucros auferidos pela outra empresa do mesmo grupo.


É dizer, o só fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária. É necessário que as pessoas solidariamente obrigadas tenham participação efetiva na ocorrência do fato gerador da obrigação, como sujeitos da relação jurídica que deu azo ao referido fato imponível. É este, inclusive, o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, conforme se verifica no AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.392.703 - RS (2011/0040251-7).


Em que pese tal raciocínio, não são raras as situações que se entende estar uma das empresas do mesmo grupo econômico obrigada a responder por débitos tributários de outras, mesmo que contraídos em exclusivo interesse de uma delas.


As autoridades fiscais por vezes entendem pela ocorrência de abuso de personalidade jurídica e desvio de finalidade, hipóteses em que as empresas se utilizariam das suas estruturas formais para se esquivar do pagamento do passivo tributário, impossibilitando a cobrança da obrigação tributária. Uma vez configurada a prática do ato ilícito, o Fisco entende ser possível desconsiderar a personalidade jurídica das empresas envolvidas, de forma a atingir, sem distinção, os ativos e bens particulares dos sócios e demais empresas do grupo. A separação societária é deixada de lado, dando vez ao tratamento dos patrimônios de forma unitária, no intuito de satisfazer as obrigações contraídas.


Cumpre ressaltar que a prática de ato ilícito, que implica o dever de empresas coligadas ou controladas responder pelos débitos tributários umas das outras, sem qualquer benefício de ordem ou preferência, não é o mero fato de formar um grupo econômico, mas a ocorrência de simulação, confusão patrimonial  ou o desvio de finalidade com o intuito de fraudar credores. A primeira hipótese diz respeito à realização de negócios, inclusive a criação de empresas, de forma artificial, ou seja, distinta da vontade real dos contratantes, com o objetivo de lesar terceiros, utilizando-se da pessoa jurídica para fins diversos dos permitidos em lei e previstos em seus atos constitutivos. A segunda hipótese, por sua vez, se verifica quando há impossibilidade de fixação de limite entre os patrimônios da pessoa jurídica e o dos sócios e acionistas, por conta da confusão que se estabelece entre ambos.


Haveria, nesse caso, não a solidariedade por prática conjunta de um mesmo fato gerador, mas a extensão do alcance dos bens das sociedades, em decorrência do abuso de personalidade jurídica.


Outro ponto que merece destaque é o fato de a desconsideração somente poder ser aplicada, em princípio, por ordem judicial, conforme expressa determinação legal. Além disso, seus efeitos atingem apenas o ato abusivo, de forma a preservar a personalidade jurídica da empresa em detrimento do sócio ou acionista que praticou o ato. A pessoa jurídica permanecerá existindo, portanto, com todas as suas prerrogativas legais e responsabilidades pelos demais atos, que não envolvam o abusivo, exceto se o ato simulado corresponda à própria criação da pessoa jurídica em si, o que pode ocorrer em casos extremos e exige que o Fisco demonstre de forma cabal a sua configuração no caso concreto. Ressalva deve ser feita de que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem admitido que os atos simulados, por serem considerados nulos em si, pela lei civil, podem ser reconhecidos como tais pela própria fiscalização tributária, sendo desnecessária decisão judicial com essa finalidade.


Há ainda a previsão do art. 30 IX, da Lei n° 8.212/91, que estabelece a responsabilidade solidária das empresas que integram o mesmo grupo econômico no que concerne ao pagamento das contribuições previdenciárias. No entanto, é certo que essa previsão deve estar em consonância com o CTN, de forma que não haveria a criação de nova modalidade de sujeição passiva, somente se aplicando quando as empresas por si mesmas figurarem como sujeitos passivos da obrigação tributária.


Por fim, deve-se lembrar ainda que o redirecionamento de execuções fiscais, inclusive na hipótese de responsabilidade tributária de grupo econômico, deve ocorrer dentro do prazo prescricional de cinco anos, contados da citação da devedora originária, e que a cobrança posterior, via redirecionamento, de entidade estranha à cobrança administrativa do débito fiscal, não exime o Fisco de assegurar a ampla defesa da empresa que não pode se defender no processo administrativo fiscal.


Desse modo, não se pode entender que o simples ato de constituir um grupo econômico leve automaticamente à perda da autonomia jurídica e econômica, e a um consequente redirecionamento de dívidas fiscais, de modo que faz-se necessário aferir se os requisitos da responsabilização, previstos na legislação, estão presentes no caso concreto e se os limites, de tempo e extensão, da aplicação da responsabilização foram observados.  

Previsão legal - Responsabilidade tributária na hipótese de grupo econômico

 

Dispositivo legal

Aplicação

Previsão

Art. 124, do CTN

Situações de interesse comum, que não envolvam fraude ou dolo

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expressamente designadas por lei.

 

Art. 50, do Código Civil 

Casos de abuso de personalidade jurídica

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

 

Art. 30, da Lei nº 8.212/91

Apenas para contribuições previdenciárias, em situações qie não envolvam fraude e dolo

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: 

IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;