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Comentário - Governo eleva a alíquota do Imposto de Renda em relação aos Juros sobre Capital Próprio
11/11/2015

Recentemente, foi publicada a Medida Provisória n. 694/2015, que, dentre outras previsões, aumentou de 15% para 18% a alíquota do imposto de renda retido na fonte devido no pagamento ou na obtenção de crédito proveniente de juros sobre capital próprio (JCP). O ato normativo estabeleceu, ainda, uma limitação aos valores que poderão ser pagos pelas empresas a título de juros sobre capital próprio. De acordo com a nova regra, os valores serão limitados, pro rata die, à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) ou a cinco por cento ao ano, o que for menor. A medida passará a vigorar a partir de janeiro.


Essas disposições fazem parte do pacote de ajuste fiscal que está sendo implementado pelo Governo, que chegou inclusive a cogitar a extinção da alíquota reduzida concedida aos JCP, mas retrocedeu e optou por diminuir o alcance do benefício. O aumento da alíquota do imposto de renda na fonte, que antes era cobrado sob o percentual de 15%, passando para 18% com a medida, objetiva reduzir os ganhos que as empresas poderiam ter ao remunerar seus sócios mediante o pagamento de juros sobre capital próprio.


Com a fixação do teto de 5% para o cálculo dos juros que poderão ser pagos, por sua vez, o governo evita que o aumento da taxa de juros de longo prazo cause impactos na receita tributária, já que os juros são dedutíveis na apuração do lucro real das empresas (reduzindo, assim, o IRPJ e a CSLL a pagar). Vale a ressalva de que a superação do limite legal enseja a aplicação do tratamento fiscal de remuneração indireta, com incidência de tributação normal sobre a renda da pessoa física ou jurídica.

 

Os juros sobre capital próprio são definidos na atual redação do art. 9°, da Lei 9.245/95, que prevê a dedutibilidade, para efeitos de apuração do lucro real, dos valores pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo.

 

O fundamento jurídico-contábil sobre o qual estaria baseado o pagamento dos juros sobre capital próprio aos acionistas é a indisponibilidade temporária dos seus recursos investidos na companhia. Considera-se que, ao aplicar recursos em uma sociedade, o acionista opta por se privar deles durante um certo espaço de tempo, tendo por objetivo resgatá-los futuramente por um valor razoável, e fazê-lo gerar rendimentos no período durante o qual está alocado na entidade.

 

Ao invés de pagar juros sobre capital próprio, a companhia pode também remunerar os acionistas exclusivamente através do pagamento de dividendos, que é a forma tradicional de remuneração da participação social nos termos da legislação empresarial. No entanto, conforme restará melhor esclarecido abaixo, essa não é, muitas vezes, a opção mais vantajosa para a empresa.

 

Esclareça-se que os dividendos decorrem do desempenho financeiro da entidade empresarial, ou seja, do lucro apurado pela empresa no período de um ano, sendo obrigatório o seu pagamento, nos termos e montante definidos conforme os critérios legais. Os juros sobre capital próprio, por sua vez, têm origem nos lucros apurados no exercício que se encerra e acumulados nos anos anteriores, e têm por finalidade, conforme mencionado, remunerar o investidor pela indisponibilidade do capital aplicado na companhia, com determinadas vantagens legais.

 

O diferencial em remunerar os acionistas com juros sobre capital próprio reside exatamente no seu tratamento fiscal, aplicado às empresas optantes pelo lucro real: como são considerados despesas dedutíveis do lucro contábil (limitado a uma parcela do patrimônio da empresa), a sociedade, ao pagar JCP, recolhe menor tributação sobre o lucro, quer dizer, reduz o IRPJ e a CSLL a pagar, o que não ocorreria caso remunerasse os acionistas através de dividendos. Os dividendos diferem dos JCP, dentre outras razões, por não serem considerados despesas, não podendo, portanto, ser deduzidos do lucro. Dessa forma, os valores que, no regime de dividendos, sofreriam uma tributação de 34% na empresa (IRPJ de 15% mais 10% de adicional; CSLL de 9%), no regime de JCP, sofrem uma tributação de 15% (18%, a partir de janeiro/2016 , a título de IRRF) no beneficiário, retidos na fonte.

 

Outra vantagem para a companhia em pagar os JCP é que ela pode imputar os valores pagos a esse título no montante dos dividendos obrigatórios. Isso significa que os valores pagos como JCP poderão ser deduzidos dos valores que a companhia deve obrigatoriamente distribuir aos acionistas a título de dividendos, nos termos da legislação societária.

 

Apesar de haver sido instituído como uma alternativa à distribuição de dividendos, o JCP não equivale aos dividendos para todos os efeitos legais, o que exige atenção e cautela na sua utilização. Uma das hipóteses em que tal distinção tem consequências práticas é na distribuição desproporcional ao capital social, que, em se tratando de dividendos, é possível, no caso de JCP, porém, não é admitido pela Receita Federal. Outro ponto de atenção é que os JCP devem ser registrados no regime de competência, ou seja, sua contabilização deve ocorrer no mesmo período em relação ao qual os JCP serão apurados, não cabendo, segundo o entendimento da Receita Federal, o pagamento de JCP calculados em relação a exercícios à época dos quais os JCP não foram contabilizados (chamado JCP retroativos).


Ressalte-se ainda, que apesar de serem computados como despesas para a empresa que efetua o seu pagamento, para os acionistas os JCP são receitas tributáveis (ressalvadas imunidade ou isenção específicas), sendo necessária a retenção de imposto de renda na fonte, atualmente, à alíquota de 15% (IRRF), na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.


No plano internacional, existe insegurança quanto à qualificação dos JCP nos tratados internacionais para evitar dupla tributação, especialmente quanto aos países cujo tratado celebrado com o Brasil não faz, em seu protocolo, menção ao tratamento conferido ao JCP. Como é uma figura da lei brasileira, híbrida de remuneração de capital próprio (equity) e de terceiros (debt), os países estrangeiros ora enquadram as remessas de JCP como juros, ora como dividendos, o que tem consequências práticas que impactam os negócios e devem ser considerados.


Esse questionamento é aplicável nas hipóteses de pagamento de JCP para beneficiários residentes no exterior, feito pela pessoa jurídica brasileira. Na maioria das vezes, o Estado de residência classificará o valor como dividendo, concedendo, consequentemente, isenção para os respectivos rendimentos. Isso porque, na maior parte dos países europeus, por exemplo, a legislação isenta os dividendos recebidos de participações societárias significativas, com o objetivo de evitar a dupla tributação econômica. Caso fossem classificados como juros, seria cabível a sua tributação no Estado da residência, residindo aí a insegurança advinda dos denominados arranjos híbridos, ou seja, transações que têm elementos de um determinada categoria e outros elementos de outra; no caso do JCP, ora de juros, ora de dividendos.


De fato, se o JCP é considerado juros no Brasil para efeitos fiscais, como é, ele é dedutível do lucro tributável; considerado dividendo no país de destino do pagamento do JCP, ele se torna isento, o que não seria se recebesse o tratamento de juros. Dessa forma, se cria um cenário assimétrico em que a operação é duplamente favorecida, gerando uma distorção que os países agora se organizam para combater, especialmente no âmbito do programa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecido pela sigla BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), contra planejamento tributário agressivo de multinacionais.


A OCDE dedica em um dos planos de ação do BEPS (Plano de Ação nº 2) exatamente à adoção de regras anti-híbridos, de forma a estabelecer uma coerência entre os tratamentos tributários concedidos ao rendimento no Estado da fonte e no Estado da residência, e assim alcançar resultado tributário que elimine tanto a dupla tributação quanto a dupla não tributação.


Com isso, não se pretende estabelecer previamente qual Estado foi prejudicado com a perda de arrecadação fiscal, mas adotar normas de aplicação imediata que neutralizem o tratamento assimétrico das figuras híbridas; para o JCP significaria que o país de destino lhe conferiria o tratamento de juros, como no país de origem (BR), com a tributação correspondente, ao invés do tratamento isento de dividendos, ainda que seja esta a natureza que em princípio a transação teria vis-à-vis a legislação do país de destino. A OCDE espera que instrumentos financeiros tradicionais voltem a ser utilizados nas operações de financiamento corporativo.


Ainda é incerto se o JCP será considerado sob o BEPS instrumento híbrido sobre o qual se devam ser adotadas medidas defensivas. O BEPS, por sua vez, ainda é soft law (regras não vinculantes), e deve se tornar direito válido entre os países num prazo de um a dois anos, ao que ainda deverá se seguir a incorporação das medidas no direito interno de cada um deles, a demandar ainda um ano ou dois.


De toda forma, registre-se que diversos países da Europa, a exemplo de Alemanha, Espanha, Itália e Reino Unido introduziram recentemente regras anti-híbridos em sua legislação, e podem vir a contestar a qualificação dos JCP como dividendo isento.


São, portanto, considerações que devem estar no radar das empresas, uma vez que, pelo menos no médio prazo, devem gerar impacto nas operações internacionais.


Juros sobre capital próprio

 

Previsão legal

Art. 9°, da Lei 9.249/95 (alterada pela MP 694/2015)

 Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados, pro rata die, à Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP ou a cinco por cento ao ano, o que for menor.

§ 2º  Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de dezoito por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.

 

Diferença entre juros sobre capital próprio e dividendos

Juros sobre capital próprio

Dividendos

Fundamenta-se na indisponibilidade dos recursos dos acionistas

Fundamenta-se na existência de lucro proveniente do sucesso da atividade empresarial

Considerados despesas, dedutíveis do lucro

Não são considerados despesas, não podendo ser deduzidos do lucro

Não são obrigatórios

Sendo verificados os pressupostos legais, são devidos dividendos obrigatórios

Seu cálculo é feito com base no patrimônio líquido e na taxa de juros de longo prazo (TJLP)

Cálculo feito com base no lucro líquido

Receitas tributáveis pelo imposto de renda para o acionista que os recebe

Isentos de imposto de renda ao acionista

No regime de JCP, os valores que o beneficiário recebe passarão a sofrer, a partir de janeiro/2016, uma tributação de 18% (IRRF), retidos na fonte, mas são dedutíveis do lucro tributável na empresa, gerando um crédito de 34% (IRPJ CSLL) e um saldo positivo de 16%

Os valores pagos a título de dividendos não sofrem  tributação no beneficiário, porém não são dedutíveis do lucro tributável na empresa, onde são tributados a 34%