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Comentário - Lei nº 13.202, de 8 de dezembro de 2015 inclui CSLL na aplicação das Convenções contra a Dupla Tributação celebradas pelo Brasil
16/12/2015

A Lei nº 13.202/15, publicada na última quarta-feira dia 9 de dezembro, trouxe norma relevante para a aplicação das convenções celebradas pelo Brasil para evitar a dupla tributação (“CDIs”). De fato, o diploma legal determina, em seu art. 11, que a interpretação das CDIs firmadas pelo Brasil deve ser promovida considerando-se a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”) como forma de tributação da renda incluída sob o regime e sob os limites determinados pela CDI.

A norma vem endereçar a necessidade de segurança jurídica em um tema em que há muito é travada uma disputa entre a Receita Federal e os contribuintes. De fato, o órgão fazendário sempre aplicou o entendimento segundo o qual, em princípio, as CDIs celebradas pelo Brasil se aplicam apenas ao Imposto sobre a Renda, de modo que a submissão da CSLL se dá apenas e tão somente quando esse tributo for expressamente referido no texto da CDI ou do seu protocolo de aplicação.

As CDIs são celebradas entre dois países visando otimizar o fluxo de investimentos entre eles, de modo que uma mesma pessoa ou empresa que tenha atuação transnacional não seja tributada nos dois países pela mesma renda ou lucro auferido. Dessa forma, as CDIs basicamente determinam, para cada modalidade de renda, qual país poderá exercer o poder de tributar e até qual limite, se o país de origem do investimento (residência do investidor) ou do destino do investimento (fonte do rendimento). Se a CSLL é excluída da CDI, significa que ela será um custo fiscal aplicado sem as limitações da CDI, provocando exatamente as distorções que a CDI visa evitar, ou seja, que ela seja cumulada com outra tributação sobre a renda promovida pelo outro país contratante; nesse caso da CSLL, este ônus é equivalente a 9% do rendimento, de um total de 34% da tributação da renda vigente no Brasil.

Os textos das CDIs, redigidos com base no Modelo da OCDE, têm no art. 2 a definição dos tributos a que se aplicam. O dispositivo descreve de forma genérica a tributação da renda e lista, para cada um dos dois países signatários, os tributos que se enquadram na definição de tributação da renda. A lista ou rol de tributos incluídos, que quanto ao Brasil geralmente inclui apenas o Imposto sobre a Renda, é, porém, meramente exemplificativa e, conforme determina a própria redação do Modelo OCDE e os comentários ao Modelo, não implica que outros tributos que se enquadrem no conceito de tributação da renda, sendo de natureza idêntica ou similar, sejam excluídos das normas da CDI. Este seria exatamente o caso da CSLL, tributo brasileiro que incide tipicamente sobre a renda, nos mesmos moldes do Imposto sobre a Renda, e que o Fisco brasileiro, porém, considerava fora do escopo das CDIs.

A questão é relevante quando, por exemplo, é contratada a prestação de serviços profissionais no exterior, que, segundo a legislação brasileira, estaria sujeita à retenção de CSLL, mas que, pelas regras das CDIs, não pode ser tributada no Brasil se o prestador não tem estabelecimento no país. Ou mesmo quando o Fisco brasileiro pretende tributar, inclusive com a CSLL, lucros de subsidiárias de empresas brasileiras no exterior, considerando-os lucros da controladora brasileira, o que igualmente não é permitido pelas CDIs.

Alguns países com os quais o Brasil tem CDI firmada têm em seus protocolos de aplicação a menção expressa à CSLL. É o caso de Portugal, Bélgica, Paraguai e Trinidad e Tobago. Para os demais, pairava a insegurança, considerando sobretudo o fato de que a jurisprudência administrativa e judicial não havia consolidado entendimento sobre a questão. De toda forma, a menção nos protocolos apenas demonstra a aplicabilidade da CSLL em qualquer hipótese, eis que os protocolos têm função meramente interpretativa, não alterando o conteúdo dos tratados.

Dessa forma, o dispositivo da Lei nº 13.202/15 é um bom alento de que o tema terá uma solução compatível com o espírito e finalidade das CDIs, que é de aportar segurança jurídica aos investimentos bilaterais e eliminar a dupla tributação. É de se aguardar como será aplicada a norma na prática, pelo Fisco e pelos tribunais, sobretudo quanto aos fatos passados, ou seja, à CSLL que, por não ser considerada incluída nas CDIs, já foi exigida e/ou recolhida pelos contribuintes.

STJ afasta Imposto de Renda sobre a remuneração de serviços prestados por empresa estrangeira

Em temática semelhante da tributação internacional, o STJ decidiu, no final de novembro, que é indevido o pagamento de Imposto de Renda pela empresa espanhola Iberdrola Energia, em relação à prestação de serviços realizados no Brasil, sem transferência de tecnologia. O cerne da questão, que levou os Ministros da 1ª Turma a afastarem a incidência do imposto, foi a existência de CDI pactuada entre Brasil e Espanha, para evitar a bitributação entre os dois países.

De acordo com o art. 7º do mencionado tratado (Decreto nº 76.975, de 1976), que segue o Modelo OCDE, os lucros de uma empresa em determinado país somente serão tributáveis nesse Estado, a não ser que ela exerça suas atividades no outro país por meio de um estabelecimento permanente situado neste. Somente nessa hipótese, os lucros da empresa serão tributáveis fora do seu território, mas unicamente na medida em que forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente.

Com base no mencionado dispositivo, a companhia entendeu que a remuneração recebida pelos serviços de consultoria para assessoria comercial, administrativa e gestão da planta geradora de energia, prestados para a brasileira Termopernambuco, deveria ser tributada apenas na Espanha. Por cautela, endereçou uma consulta à Receita Federal, para confirmar seu entendimento.

Para a sua surpresa, o Fisco posicionou-se contrariamente. Considerou que a remuneração paga pela empresa brasileira à espanhola não caracterizaria lucro e, por tal razão, não se aplicaria o art. 7º do tratado firmado entre os dois países. Com isso, incidiria Imposto de Renda sobre os valores.

Em situações como esta, a Receita Federal vem trazendo uma interpretação restritiva do conceito de lucro, conflitante com a concepção adotada pela OCDE, que prioriza o fluxo de investimentos e de rendas entre residentes dos diversos países, adotando o critério de residência para a sua tributação.  
A Iberdrola, que já havia sido tributada pela Espanha, recorreu ao Judiciário, com vistas a afastar a incidência do IR também no Brasil. Teve, então, a seu favor, a mencionada decisão do STJ, que afastou a aplicação do posicionamento adotado pelo Fisco. 

Em julgamento anterior (RESP 1.161.467), a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou precedente a esse respeito, quando, em situação semelhante, afastou a incidência do tributo com base em acordos firmados pelo Brasil com Alemanha e Canadá.

Demonstrou-se, assim, que as decisões do STJ demonstram respeito e fidelidade aos tratados internacionais pactuados pelo Brasil para evitar a bitributação, tendo em vista que eles estimulam a interação entre as nações e o investimento entre elas, fazendo prevalecer a jurisprudência dominante nos Tribunais Regionais Federais e firmando importante posicionamento nesse sentido. 

 

Distribuição de Competência Tributária entre Estados da Fonte e da Residência no Modelo OCDE*

Artigo

Modalidade de Rendimento

Competência para Tributar**

Estado da Fonte

Estado da Residência

6

Imobiliário

Sim

Sim

7

Lucro de Empresas

Não

Sim

8

Transporte internacional

Não

Sim

10

Dividendos

Até 5% (a partir de 25% de part. societária) ou 15% (geral)

Sim

11

Juros

Até 10%

Sim

12

Royalties

Não

Sim

13

Ganhos de capital

Sim

Sim

15

Trabalho dependente

Não

Sim

16

Diretoria de Empresas

Sim

Sim

17

Artistas e esportistas

Sim

Sim

18

Pensão

Não

Sim

19

Serviço público

Sim

Não

21

Outros rendimentos

Não

Sim

*Regime geral do Modelo OCDE sofre alterações em cada CDI especificamente celebrada conforme negociação realizada entre os Estados contratantes

** Nas hipóteses em que os dois países são autorizados a tributar o mesmo rendimento, o tratado prevê um mecanismo de neutralização da dupla tributação, como crédito do imposto pago na fonte a ser compensado no país da residência