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Comentário – Entra em vigor Emenda Constitucional que institui novas regras para o recolhimento de ICMS no comércio eletrônico
12/01/2016

No dia 1º de janeiro, passaram a valer as regras da Emenda Constitucional n° 87/2015, que recebeu a denominação de EC do comércio eletrônico, por ter alterado a sistemática de recolhimento do ICMS para produtos comercializados pela internet, por telefone ou em comércio não presencial. Com a sua entrada em vigor, nas operações interestaduais não presenciais, o tributo deixará de ser recolhido integralmente aos Estados de origem e passará, gradativamente, a beneficiar também os Estados de destino das mercadorias.

 

O ICMS, como se sabe, incide sobre operações de circulação - ou venda - de mercadorias. As chamadas operações interestaduais ocorrem quando a mercadoria é vendida a partir de um estabelecimento localizado em um Estado (origem), para um estabelecimento localizado em outro Estado (destino).

 

Quando o ciclo da mercadoria tem início no Estado onde está instalada a indústria, sendo posteriormente remetido para outro comerciante situado em Estado diverso, e este acaba vendendo ao consumidor final nele situado, os dois Estados ficam com uma parcela da arrecadação do ICMS que incide sobre aquela mercadoria. Isso ocorre a partir da sistemática não-cumulativa do imposto, em conjunto com as alíquotas interestaduais mais reduzidas, de modo que a parti do imposto correspondente à alíquota interestadual fica no Estado de origem e o Estado de destino, ao conceder o crédito relativo este ICMS interestadual, abatendo-o do imposto interno cheio na venda posterior da mercadoria, fica na prática com a diferença entre a alíquota interna e a interestadual. Nessa situação típica, de remessa para adquirente em outro Estado que também é contribuinte do ICMS, nas vendas físicas ou presenciais, ocorrem operações em ambos os Estados, com incidência do imposto em cada transação e a arrecadação, revertida para o Estado em que ocorre a respectiva operação e agregação de valor, resulta partilhada entre ambos. Com a instituição da venda remota de mercadorias, seja através da internet, telemarketing, showroom ou telefone, a situação é diversa: as mercadorias são vendidas diretamente pelo produtor (fabricante, situado no Estado de origem) ao consumidor final, de modo que o Estado de origem se apropria de todo o imposto incidente na cadeia de circulação da mercadoria.

 

De fato, até recentemente, a operação interestadual destinada a consumidor final era equiparada a uma operação interna e o ICMS era devido apenas ao Estado produtor. No entanto, isso vinha ocasionando uma grande perda de arrecadação para os Estados de destino da mercadoria adquirida através do comércio eletrônico. Inconformados, alguns Estados nesta situação firmaram o Protocolo ICMS n° 21/2011, passando a cobrar o ICMS como se a mercadoria também tivesse sido comercializada nos seus respectivos Estados, o que gerou um aumento na carga tributária.

 

O referido protocolo foi discutido por meio de ações diretas de inconstitucionalidade e, em setembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal declarou a sua inconstitucionalidade, por entender que o Protocolo ICMS n° 21/2011 violava o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alínea b da Constituição Federal. Somente a sua alteração (através de emenda constitucional) poderia modificar esse cenário, regularizando a perda de arrecadação dos Estados não produtores.

 

A luta política dos Estados consumidores para se apropriar da receita de ICMS com o comércio eletrônico resultou afinal, na edição Emenda Constitucional (“EC”) n° 87/2015, através da qual foi alterado o dispositivo constitucional que rege a partilha do ICMS em tais operações. Antes de tal alteração constitucional, a previsão do artigo era de que em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado em outro Estado, deveria ser adotada a alíquota interna, revertida integralmente ao Estado de origem.

 

Com a Emenda n. 87/2015, o inciso VII, do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, passou a ter a seguinte redação: “nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual”.

 

Ressalte-se que nas operações e prestações interestaduais realizadas entre dois contribuintes normais do ICMS, nada mudou. Na hipótese em que o adquirente é consumidor final da mercadoria, o Estado de origem continuará recolhendo ICMS com a utilização da alíquota interestadual, e o Estado de destino do bem, mercadoria ou serviço, recolherá o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual.

 

Com as novas regras, este regime de recolhimento de diferencial de alíquota nas operações interestaduais ao Estado de destino foi estendido para todas as operações interestaduais, não apenas para aquelas destinadas a contribuinte do imposto, mas também para não contribuintes, sendo modificada a sistemática de cobrança do ICMS incidente sobre as operações. Essa alteração beneficiará gradativamente os Estados de destino (“Estados consumidores”), uma vez que o ICMS em tais vendas diretas a consumidor final, a exemplo de compras pela internet ou telemarketing, deixará de ser recolhido em sua integralidade aos Estados de origem, sendo que, de modo semelhante às operações entre contribuintes, será recolhido ao Estado de destino o correspondente à diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual, segundo uma tabela anual gradativa, até se consolidar em 2019 100% no Estado de destino.

 

A mencionada gradação se deve a outra alteração promovida pela EC, que foi a inclusão do artigo 99 no ADCT, dispondo sobre a sistemática de cobrança do ICMS, até o ano de 2019. Em razão da regra de transição contida no mencionado dispositivo, o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino nos termos da seguinte proporção:

 

I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;

 

II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

 

III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

 

IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

 

V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.

 

Isso significa que os Estados de origem não irão perder de imediato a parcela total que lhe era devida, referente ao diferencial de alíquotas nas operações realizadas com não contribuintes do imposto situados no Estado de destino. Somente em 2019 os Estados de destino ficarão com a totalidade do ICMS devido em relação ao diferencial de alíquotas.

 

Houve uma grande polêmica quanto à entrada em vigor da EC n° 87/2015, pois, inicialmente, se previu que ainda no ano de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação decorrente da diferença entre alíquotas seria revertida para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem.

 

No entanto, em razão do princípio da anterioridade, a regra somente poderia produzir efeitos, em qualquer hipótese, a partir de 1º de janeiro de 2016.  Sendo assim, a regra insculpida no art. 99, I, da ADCT foi considerada inócua, não podendo produzir efeitos ainda em 2015, passando então a vigorar, em 2016, diretamente o inciso II do art. 99, da ADCT, que determina que 40% (quarenta por cento) da diferença entre a alíquota interna e a interestadual será devida ao Estado de destino e 60% (sessenta por cento) ao Estado de origem, sendo que no ano de 2015 não houve partilha entre os Estados.

 

A aprovação da EC n. 87/2015 trouxe maior justiça financeira na repartição, entre os Estados-membros, da competência e das receitas relacionadas ao ICMS, vis-à-vis o novo modelo de comércio que tem se delineado ao longo dos últimos anos, buscando, com isso, minimizar as desigualdades regionais no recolhimento do imposto e a consequente guerra fiscal entre os Estados.

 

Persiste, contudo, outra polêmica quanto à regulamentação do dispositivo.

 

A Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especiais e Excepcionais (“Abradimex”) propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) junto ao Supremo Tribunal Federal (“STF”), em face do Convênio ICMS 93/2015, firmado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que dispõe sobre os “procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada”, e que procurou regulamentar o disposto na EC 87/2015.

 

A Abradimex questiona a validade de cláusula do ato e alega a sua (im)possibilidade de regulamentar a alteração constitucional, vez que tal competência somente caberia a lei complementar, conforme previsão do Código Tributário Nacional e da própria Constituição Federal. Alega que a inconstitucionalidade decorre da utilização de ato normativo inadequado para estabelecer a base de cálculo do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final.

 

Com isso, requer a concessão de medida cautelar para suspender os efeitos da cláusula segunda do Convênio ICMS 93/2015, sob o argumento de que o ato normativo fere o princípio da legalidade tributária e da reserva legal, por impor a obrigação de pagamento do tributo sem a prévia regulamentação através de lei complementar.

 

Os Estados, contudo, pretendem analisar o conteúdo da norma do convênio, em cotejo com o texto da EC n. 87/2015 e da Lei Complementar n. 87/1996, sob outro enfoque. Segundo essa visão, o convênio não criaria nova cobrança tributária, não alteraria a base de cálculo ou outro aspecto da obrigação, alterando apenas a destinação de uma tributação que já existe, de modo que parte do valor que era recolhido para o Estado de origem irá para o Estado de destino. Nesta perspectiva, o convênio não traria mudança substancial, não havendo de necessidade de lei complementar para tanto. Além disso, a própria Lei Complementar n. 87/1996, que é a lei complementar geral do ICMS, já dispõe sobre o cálculo do ICMS em operações interestaduais.

 

A análise dos precedentes do STF, porém, sobre a lei complementar em matéria tributária, em geral e especificamente no caso do ICMS, mostra que o tribunal foi rigoroso quanto à demarcação e proteção da competência do legislador complementar em matéria tributária, demarcando que “a Constituição Federal, art. 146, III, a, estabeleceu que cabe à lei complementar, no tocante aos impostos discriminados na Constituição, definir os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” (RE 223.144), de modo que lei ordinária estadual, decreto ou convênio interestadual não poderiam tratar de nenhum de tais aspectos relativos ao ICMS.

 

Enquanto se aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da suspensão dos efeitos do Convênio, as empresas já se mobilizam para questionar judicialmente o recolhimento da parte do ICMS exigida pelo Estado de destino, nas operações interestaduais não presenciais, e o convênio em que a cobrança está baseada.

Alterações promovidas pela EC n° 87/2015

 

Art. 155, da CFRB/88

 

 

Redação anterior

Redação dada pela EC 87/2015

Art. 155 (...)

Art. 155 (...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:

VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

a) (revogada);

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

b) (revogada);

 

 

VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;

 

Art. 99, do ADCT (inserido pela EC n° 87/2015)

 

Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:

I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;

II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.