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Comentário - Lei n. 13254, de 13 de janeiro de 2016, institui anistia para a repatriação de ativos não declarados mantidos no exterior
27/01/2016

Na esteira da adoção de medidas visando combater a crise econômica e reaquecer a economia, foi sancionado e promulgado o projeto de lei que concede anistia a contribuintes relativamente a valores, bens e ativos em geral, mantidos no exterior e não declarados, quanto aos tributos não recolhidos e demais obrigações de natureza cambial ou financeira, principais ou acessórias, como também algumas sanções de natureza penal, que passam a se considerar extintas e não podem mais ser exigidas de quem aderir ao programa. O objetivo da legislação é regularizar o patrimônio mantido por contribuintes brasileiros no exterior, com a consequente injeção de capital que a repatriação de tais ativos proporcionará na economia brasileira.

 

A oportunidade de regularização de ativos mantidos sem declaração no exterior é particularmente interessante, na medida em que entrarão em vigor nos próximos anos os mecanismos de troca de informações entre as autoridades fiscais dos diversos países, seguindo iniciativas da OCDE e do G20, o que elevará substancialmente o risco da manutenção de ativos não declarados em outras jurisdições fiscais. Além da cláusula de troca de informações presente nas 31 (trinta e um) Convenções para Evitar a Dupla Tributação em vigor celebradas pelo Brasil ,o país também celebrou  em 2007 um Acordo para Troca de Informações Tributárias (“TIEA”) com os Estados Unidos, que, por sua vez, detém a maior rede de tratados dessa natureza no mundo. O acordo celebrado entre Brasil e EUA foi ampliado em setembro/2014 para atender aos requisitos previstos pela “ForeignAccountTaxComplianceAct – FATCA, pelo qual passam a ser fornecidas reciprocamente informações sobre movimentação financeira de contribuintes dos dois países.

 

Neste contexto, muitos países instituíram anistias semelhantes nas últimas décadas. O regime brasileiro, conforme a análise da Lei nº 13.254/2016 indica, é claramente inspirado na experiência italiana, que instituiu, durante o séc. XX, 58 regimes de anistia semelhantes, os últimos sendo os do Decreto-Lei 78, de 1º de julho de 2009 e da Lei n. 186 de 15 de dezembro de 2014.

 

O prazo para aderir ao chamado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (“RERCT”), de 210 dias, começa a correr, porém, apenas com a regulamentação da lei, que deve vir apenas no mês de março. É apenas com a regulamentação da medida, a ser implementada por ato da Receita Federal do Brasil, que diversos pontos e requisitos do programa serão esclarecidos. Alguns aspectos, contudo, já se encontram definidos na própria lei e serão objeto de breves comentários a seguir.

 

Quem poder aderir?

 

Podem aderir ao RERCT os residentes ou domiciliados no País em 31 de dezembro de 2014 que tenham sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos, inclusive no caso de bens transferidos para trusts, fundações, fundos e instrumentos semelhantes de proteção patrimonial.

 

Na hipótese de sucessão hereditária, o programa se aplica igualmente ao espólio cuja sucessão em 31 de dezembro de 2014 já se encontrasse aberta.

 

Já os vetados à adesão ao programa são os  que, na data da publicação da lei, sejam detentores

de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, bem como o respectivo cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção. A redação da lei deixa entrever que aqueles que foram titulares de cargo eletivo e não mais o são, ao tempo de publicação da lei, podem aderir ao regime, o que, porém, deverá se tornar mais claro a partir da regulamentação a ser promovida pela Receita Federal.

 

Quais bens integram o programa?

 

Os bens que se incluem no RERCT devem, antes de mais nada, ter origem ilícita, o que significa que devem ter sido adquiridos com recursos oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei. A lei não permite, portanto, o anistiamento de crimes que tenham sido a fonte do rendimento que gerou os ativos a serem repatriados, mas apenas dos crimes relacionados com a própria sonegação dos bens e direitos mantidos no exterior. Em princípio, o contribuinte não precisará comprovar especificamente a origem lícita do patrimônio mantido no exterior, mas deverá fornecer declaração que atesta tal condição, correndo o risco de ser excluído do programa caso seja constatado que não se adequa aos requisitos do RERCT.

 

O programa se aplica tanto aos bens ainda mantidos no exterior, quanto aos bens já repatriados ao Brasil mas ainda não declarados à Receita Federal, como também àqueles bens que já não mais constavam da titularidade do contribuinte em 31 de dezembro de 2014, mas que igualmente foram mantidos sem declaração no exterior.

 

Quanto aos tipos de bens incluídos no RERCT, são eles:


i. depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão;

ii. operação de empréstimo com pessoa física ou jurídica;

iii. recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas;

iv. recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, integralizados em empresas estrangeiras sob a forma de ações, integralização de capital, contribuição de capital ou qualquer outra forma de participação societária ou direito de participação no capital de pessoas jurídicas com ou sem personalidade jurídica;

v. ativos intangíveis disponíveis no exterior de qualquer natureza, como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties;

vi. bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;

vii. veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.

 

Quais as condições de pagamento para a regularização?

 

A regularização dos ativos mantidos sem declaração no exterior requer o pagamento de 15% de tributos mais 15% a título de multa, ambos incidentes sobre o valor de mercado dos bens e direitos respectivos, o que totaliza um custo total de 30% do valor bruto dos ativos a serem regularizados. A lei não permite deduzir do valor dos ativos o custo de aquisição ou outras despesas quaisquer.

 

Não há determinação explícita, porém a redação da lei dá a entender que o pagamento deverá ser à vista, aspecto que a regulamentação deverá esclarecer melhor.

 

O montante não chega a ser tão reduzido quando comparado com a prática de outros países, mas é bastante atrativo quando comparado com o regime geral no Brasil e o custo de tributação regular da renda para pessoa física (até 27,5%) e da tributação da renda (34%) e da receita/faturamento (9,25%, no regime não cumulativo) da pessoa jurídica, acrescidas de multa de 150% no caso de dolo, fraude e sonegação, além de multas de mora, juros e multas por descumprimento de obrigações formais e acessórias, que o contribuinte teria que arcar caso fosse sujeito a uma fiscalização regular.

 

O contribuinte que aderir ao programa deverá ainda fornecer declarações de renda retificadora quanto aos anos-calendários de 2014 e posteriores, nelas incluindo os bens e direitos objeto da regularização.

 

Não há, por fim, obrigatoriedade de o contribuinte repatriar os ativos mantidos no exterior, que, após a regularização, podem normalmente lá permanecer.

 

Quais punições serão anistiadas?

 

A adesão ao RERCT e o cumprimento das suas condições extingue todas as obrigações tributárias e cambiais sonegadas, relacionadas aos bens e direitos oriundos do exterior e objeto da regularização.

 

Quanto à anistia criminal, ela se restringe aos crimes fiscais e cambiais relacionados aos ativos, não se estendendo a ilícitos penais comuns que tenham gerado a renda com a qual os bens e direitos eventualmente tenham sido adquiridos.

 

Se incluem entre os crimes anistiados pelo RERCT os seguintes:

 

i. sonegação fiscal (em suas várias formas)

ii. apropriação indébita tributária

iii. apropriação indébita previdenciária

iv. falsificação de documento público, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso, quando praticados com a finalidade de promover a sonegação fiscal ou a apropriação indébita tributária ou previdenciária;

v. evasão de divisas

vi. lavagem de dinheiro

 

A anistia dos crimes prevista na lei ocorrerá apenas se o cumprimento das condições do programa se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória.

 

Proteção ao contribuinte que aderir

 

Considerando a sensibilidade do fornecimento voluntário de informações que podem gerar, direta ou indiretamente, responsabilização fiscal ou criminal do contribuinte que aderir ao RERCT, a lei assegura que a declaração de regularização não poderá ser, por qualquer modo, utilizada como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal, ou  para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes. Tal proteção persiste, quanto ao aspecto criminal, mesmo que o contribuinte venha a ser excluído do programa. Quanto aos tributos, a exclusão implicará a cobrança dos valores equivalentes aos tributos, multas e juros incidentes.

Comparativo Internacional - Carga Aplicada em Regimes de Anistia e Repatriação de Recursos

País

Brasil Regime Normal

Brasil RERCT

Alemanha

Bélgica

Grécia

Inglaterra

Italia

Portugal

Ano

 

 

2016

2004

2004

2004

2007

2009

2005

Ente

Pessoa Física

Pessoa Jurídica

 

 

 

 

 

 

 

Imposto sobre a Renda

27,5%

34,0%

15,0%

25,0%

9,0%

3,0%

21,0%

5,0%

5,0%

Outros Tributos

0,0%

9,25%

0,0%

0,0%

0,0%

0,0%

0,0%

0,0%

0,0%

Multa  (sobre o total dos tributos)

150,0%

150,0%

15,0%

0,0%

0,0%

0,0%

10,0%

0,0%

0,0%

Total

68,8%

108,1%

30,0%

25,0%

9,0%

3,0%

23,1%

5,0%

5,0%