Artigos

O FOMENTO À INOVAÇÃO ENTRE PATENTES E INCENTIVOS FISCAIS
22/11/2018

O FOMENTO À INOVAÇÃO ENTRE PATENTES E INCENTIVOS FISCAIS¹
ARISTÓTELES MOREIRA FILHO²
Que a inovação requer estímulo interventivo do Estado, não se questiona. O desenvolvimento tecnológico condiciona não apenas a competitividade da empresa nacional, mas determina a elevação do nível de bem-estar da economia global e de prosperidade de toda a humanidade.  De fato, a mera introdução da inovação no mercado disponibiliza o seu conteúdo aos demais competidores e desencadeia a sua difusão, resultando no chamado efeito de spillover, pelo qual os ganhos de eficiência proporcionados pela nova tecnologia são externalizados para toda a economia e beneficiam não apenas o agente inovador, mas a coletividade como um todo. A tecnologia é, contudo, um ativo complexo de ser rentabilizado individualmente no livre mercado: o custo de reprodução da informação correspondente à ideia inovadora é bastante reduzido e o seu uso por um agente econômico não exclui o seu uso pelos demais (não-rivalidade e não-exclusividade). O elevado risco, a incerteza e a imaterialidade de um projeto de pesquisa e desenvolvimento quanto à obtenção de um ativo tecnológico eventualmente resultante e o seu valor futuro tornam inviável a aplicação de garantias tradicionalmente incorporadas em operações de financiamento, o que explica o baixo desenvolvimento do mercado de crédito para inovação.

Desde o seu surgimento na Europa no século XVII, a aplicação da proteção patentária surge como um importante instrumento para o endereçamento das falhas de mercado na alocação de recursos para o processo inventivo, fazendo-o através da implementação de direitos de exclusividade ao agente inovador no que tange à exploração da sua invenção, por determinado período. As patentes não são, porém, o único instrumento pelo qual o Estado intervém no mercado visando fomentar a inovação. Subsídios diretos, compras e contratos governamentais, exclusividade regulatória e até prêmios são mecanismos utilizados pelo ente público para recompensar o inventor e combater as falhas de mercado na geração de inovação. São, porém, os regimes de incentivo fiscal que mais se aproximam potencialmente do nível de intensidade indutora do sistema patentário, por compartilharem um atributo fundamental, que é a generalidade de sua aplicação, de modo que, ao invés de operarem através da decisão sobre cada projeto individualmente, baseiam-se em normas gerais aplicáveis indistintamente a todos os projetos de pesquisa, modalidades de atividades inventivas e agentes econômicos, a quem compete decidir onde alocar os recursos de forma mais eficiente.

Em um momento em que o Brasil discute o aprimoramento da Lei do Bem, seu principal mecanismo de incentivo fiscal à inovação, é fundamental contextualizar esse instrumento no que a literatura internacional tem denominado ultimamente de uma perspectiva externa do direito da inovação: ao invés de se analisar o estímulo à inventividade dentro da realidade microssistêmica de cada um destes instrumentos, passa-se a reconhecer que a busca do melhor desenho das políticas voltadas ao fomento da inventividade requer abordá-las de forma holística frente a seu objetivo comum, considerando a técnica utilizada e a funcionalidade de cada uma delas, para analisar criticamente o resultado alcançado a partir da composição institucional implementada.

Deve-se derrubar a falsa premissa de que o sistema de patentes corresponde a uma solução de mercado sem custos para a sociedade, ao passo que subsídios e incentivos fiscais geram ônus financeiro para a economia. Ao garantir exclusividade na exploração das invenções, a lei impede a livre concorrência na comercialização de produtos inovadores no mercado, tornando os custos de aquisição e uso mais altos do que em uma situação de concorrência ideal. Ao romper-se a lógica do livre mercado, a perda de eficiência alocativa (deadweight loss) daí decorrente pode gerar um custo social maior do que os demais mecanismos de fomento: embora o escopo distinto dificulte uma comparação direta, é ilustrativo que nos EUA as rendas de patentes gerem um custo anual da ordem de US$100 bi, ao passo que os incentivos fiscais à inovação apenas U$12 bi.

A questão deixa de ser se há ônus, mas sim qual o instrumento promove em dadas circunstâncias a mais eficiente alocação dos recursos no processo de inovação. A exclusividade patentária pode constituir um importante incentivo nos setores cuja tecnologia é, no estágio de mercado, mais vulnerável à cópia e à imitação, de modo que os mecanismos de fomento aplicados à fase de investimento não são suficientes para assegurar a lucratividade aos projetos de pesquisa e desenvolvimento, sendo este o caso particularmente dos setores químico e farmacêutico. Os subsídios diretos e os benefícios fiscais, por anteciparem a liquidez ainda na fase de projeto, independente do seu sucesso, são mais eficazes no estímulo de investimentos em inovação intensivos em capital, bem como de pequenas e médias empresas, mais carentes de crédito, com menor portfólio de ativos tecnológicos e mais sensíveis ao risco. Há campos da inventividade, ainda, que não são abrangidos completamente por proteção patentária, a exemplo de programas de computador, a genética humana e animal, bem como modalidades tecnológicas que não se conformam à formalidade e à publicidade patentárias, a exemplo dos segredos industriais e do cada vez mais relevante conhecimento tácito, desenvolvido através da experiência industrial e do aprendizado prático (learning-by-doing). Nesta vertente é que os regimes de benefício fiscal, de escopo mais amplo, podem atuar com maior eficiência, sendo este o caso ainda do setor de serviços em geral, bem como de projetos de inovação de nível tecnológico local, que não elevem o estado da técnica internacional. Em um cenário de inovação rápida, barata, cumulativa e interconectada, com a crescente digitalização da vida cotidiana, as patentes deixam de suprir, em parte, as necessidades dos agentes inovadores, o que requer a aplicação de mecanismos complementares de fomento.

O reconhecimento da complementaridade entre os mecanismos de fomento à inovação deve servir para pensarmos prospectivamente as nossas políticas de ciência, tecnologia e inovação. Se por um lado a adaptação do sistema de patentes em vista das flexibilidades atribuídas por tratados internacionais pode ser considerada, por outro os incentivos fiscais à inovação não apenas permitem, mas exigem um redirecionamento que atenda à sua potencialidade e às suas vocações.

¹Boletim publicado pelo Centro de Estudo Sociedade e Tecnologia (CEST/USP), no link http://www.cest.poli.usp.br/download/fomento-inovacao-patentes-incentivos-fiscais/ 
²Mestre em direito tributário pela PUC-SP. LL.M. pela Ludwig-Maximilians Universität München. Doutorando em direito pela USP. Pesquisador do Centro de Estudo Sociedade e Tecnologia (CEST), da Poli-USP. Pesquisador visitante no Max Planck Institute for Tax Law and Public Finance, em Munique, Alemanha.