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Fixação das alíquotas PIS/Cofins via decreto é questionável16/04/2015
No dia 1º de abril, dia da mentira no Brasil e das chamadas
“pranks” (pegadinhas) no exterior, o Governo Federal editou o Decreto 8.426/
2015, que reinstituiu a incidência do PIS e da Cofins sobre receitas
financeiras das empresas sujeitas à sistemática não-cumulativa dessas
contribuições. O restabelecimento das alíquotas — 0,65% para o PIS e 4% para
Cofins — surtirá efeito a partir de primeiro de julho de 2015, seguindo assim o
princípio tributário da anterioridade mitigada, conforme dispõe o artigo 195,
parágrafo 6º da Constituição.
A fixação de alíquotas do PIS e da Cofins incidente sobre as
receitas financeiras está disciplinada no artigo 27, parágrafo 2º, da Lei
10.685/2004, que possibilita a redução e o restabelecimento respectivos por ato
do Poder Executivo, e, assim, via decreto. Tal medida se justificaria pela
suposta extrafiscalidade inerente a tais incidências. Portanto, valendo-se
desse expediente, o governo, no contexto do tão falado ajuste fiscal, houve por
bem restabelecer as alíquotas, que estavam fixadas em zero, para o seu patamar
original, sem falhar, inclusive, no respeito ao princípio da anterioridade.
Contudo, em que pese a existência de previsão legal e a
observância da anterioridade, a fixação das alíquotas via decreto é
tranquilamente questionável. O ponto central da discussão está, exatamente, na
autorização trazida pelo artigo 27, parágrafo 2º, da Lei 10.685/2004. É
princípio basilar de direito tributário que os tributos sejam criados e
modificados por lei, nos exatos termos do artigo 150, inciso I, da
Constituição. Como se trata de uma diretriz constitucional, que reforça a
necessidade de segurança jurídica na criação de ônus tributários, tal regra
apenas pode ser excepcionada pela própria Constituição, tal como ocorre com
impostos extrafiscais (II, IE, IPI e IOF) e a CIDE Combustíveis.
Porém, o mesmo não se dá com as contribuições do PIS e da
Cofins. Tais tributos devem ser criados por lei e observam o mandamento geral
da legalidade: apenas lei em sentido estrito poderá instituir, modificar ou
majorar quaisquer dos aspectos relativos a eles. Essa postura deve valer,
inclusive, para a redução das alíquotas. Em face do entendimento atual do
Supremo Tribunal Federal de que a alíquota zero pode ser vista como uma
modalidade de isenção, igualmente não poderia o decreto determinar a minoração
dos percentuais. Trata-se, portanto, de vício contido na própria Lei
10.865/2004, que não poderia mitigar o princípio da legalidade sem autorização
constitucional específica.
Um contra-argumento à ofensa ao princípio da legalidade
estaria no fato de que a modificação se justificaria pelo fato de a incidência
nessa hipótese específica estaria vinculada a uma finalidade extrafiscal. Como
regra, a Constituição permite a alteração de alíquotas via Decreto exatamente
para contemplar situações de intervenção na economia, que devem ser céleres e
distantes do jogo político do Poder Legislativo. Não obstante, não é esse o
caso. Ainda que a interferência no mercado financeiro possua impactos
econômicos significativos, não é possível dizer que, apenas por essa razão, a
modificação via decreto estaria autorizada. Reitere-se: tal faculdade concedida
ao chefe do Poder Executivo apenas se justifica diante de norma constitucional
nesse sentido, inexistente na hipótese.
Diante de todas essas questões, fica bastante evidente o
desacerto do governo em promover a majoração das alíquotas do PIS e da Cofins —
tanto por razões jurídicas, como as acima mencionadas, que se bastam pela
ofensa a um princípio fundamental de direito tributário, quanto pelo
desestímulo econômico, em um ano em que a economia exibe números negativos, com
o país à beira da recessão.
É evidente que o ajuste fiscal é necessário. Porém, após
todas as medidas tributárias já tomadas pelo governo no início do ano, já passa
da hora de centrar os esforços na redução dos gastos públicos, com foco,
especialmente, nas despesas correntes. O aumento de receitas é fundamental, mas
sem a contrapartida da redução das despesas, corre-se o risco de prejudicar
ainda mais a classe empresária e acelerar o ambiente de recessão, criando uma
cômica relação entre a publicação do Decreto 8.426/2015 e o dia 1º de abril.
Tathiane Piscitelli é professora da FGV Direito SP. Doutora
e Mestre em Direito pela USP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário
Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.
Luis Claudio Yukio Vatari é aluno do Mestrado Profissional
da FGV Direito SP e membro do Grupo de Estudos de Direito Tributário Aplicado e
Desenvolvimento.