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Julgamento anulado não afetará balanços
16/04/2015

A possibilidade de nulidade de julgamentos com vícios do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por conta do pagamento de propina a conselheiros, pode aumentar a quantidade de contingências divulgadas pelas empresas em notas explicativas de seus balanços, mas não deve ter, ao menos imediatamente, reflexos no lucro dos bancos e empresas envolvidas na investigação.

 

Há dois motivos para isso. O primeiro é que o fato de uma companhia eventualmente ter pago suborno a um conselheiro do Carf não significa, necessariamente, que a tese da empresa esteja errada e que o Fisco tenha razão.

 

De acordo com Julio Assis, sócio do departamento de contencioso tributário da EY, se e quando os julgamentos forem anulados, as questões voltarão a ser debatidas com o Fisco. “Não há uma reversão automática”, afirma.

O segundo fator é que a regra contábil internacional, usada no Brasil, só exige constituição de provisões para perdas em processos administrativos, ou judiciais, quando a própria empresa, amparada por seus advogados, considera a chance de derrota provável. As companhias brasileiras, especialmente as não financeiras, são bastante “otimistas” na avaliação de chance de perda em processos tributários, reservando provisões para menos de 10% dos valores em disputa com o Fisco.

 

Nos casos em que a vitória do contribuinte no Carf for anulada, portanto, o cenário mais provável no primeiro momento é que a companhia volte a divulgar aos acionistas a existência de um contencioso, mas sem tratar a disputa como caso perdido – que levaria ao reconhecimento de uma despesa de provisão, reduzindo o lucro do período.

 

Levantamento feito pelo Valor com 89 empresas que integram os índices Ibovespa e IBr-X mostra que, ao fim de 2013, elas tinham a impressionante cifra de R$ 303 bilhões em disputas tributárias, dos quais apenas 20%, ou R$ 59 bilhões, estavam provisionados. Os outros R$ 243 bilhões em contenciosos apareceram como de perda “possível” e por isso só precisam ser divulgados em notas explicativas. O valor total disputado com o Fisco representa 22% do patrimônio líquido das empresas do estudo.

 

Quando se retira os bancos da conta, já que eles seguem uma regra específica do Banco Central sobre o tratamento de obrigações legais (e por isso nesse caso são obrigados a contabilizar a provisão), nota-se que o grupo de 84 empresas não financeiras do levantamento possuía disputas fiscais de R$ 223 bilhões em 2013, dos quais apenas 7%, ou R$ 14,6 bilhões, eram tratados como de perda provável e por isso estavam provisionados. A fatia restante de R$ 208 bilhões fica como um “possível passivo” fora do balanço.

 

De acordo com Renata Daré, consultoria da Hirashima e Associados, uma vez cancelados os julgamentos, caberá aos advogados analisar os casos e classificá-los entre aqueles com chance de perda provável, possível e remota. “Quando analisam a probabilidade de perda, além da legislação, os advogados consideram a jurisprudência”, explica a especialista, reconhecendo que o processo é um pouco subjetivo e que já viu casos semelhantes serem tratados de formas diversas entre empresas com escritórios diferentes.

 

Segundo o sócio da EY, ainda que os julgamentos do Carf estejam suspensos, os autos de infração da Receita continuam a ser lavrados todos os dias, e os recursos a ser apresentados ao órgão administrativo, quando então os pedidos ficam “congelados” e o Fisco não pode mais exigir os valores cobrados. Essa situação não causa prejuízo financeiro aos contribuintes, mas deixa uma situação de indefinição para as empresas.

 

De acordo om o advogado Roberto Quiroga, do Mattos Filho Advogados, a suspensão dos julgamentos do Carf – desde o dia 31, para reprogramação da pauta – também não é interpretada como fator que altere o risco para a empresa, ainda que ela contasse com o julgamento de um processo relevante. “Os processos continuam a aparecer nas notas explicativas classificados pelas chances de êxito”, diz. Segundo ele, a chance de perda é avaliada conforme os julgamentos sobre o tema, e é classificada como “provável” quando já há jurisprudência pacífica contrária à tese da empresa.

 

A suspensão dos julgamentos é vista como positiva pela maioria dos advogados. “Com conselheiros possivelmente envolvidos, é melhor assim para garantir a imparcialidade dos julgamentos futuros”, afirma o advogado Hamílton Dias de Souza, do Dias de Souza Advogados.

 

Para Luiz Roberto Peroba Barbosa, do Pinheiro Neto Advogados, não há necessidade de informação aos investidores em razão de a empresa ter sido mencionada, ou estar sendo investigada. “Apenas se uma decisão relevante for efetivamente anulada e julgada novamente em sentido contrário, haverá impacto nos balanços”, afirma.

 

Nessa situação, apesar de não ter qualquer obrigação legal nesse momento, Vanessa Rahal Canado, professora de tributação da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP), afirma que empresa, por uma questão de “esclarecimento ao acionista”, pode eventualmente publicar um fato relevante, ou comunicado por meio do diretor de relações com investidores. Ela lembra que não há precedentes no Judiciário sobre casos de nulidade de julgamentos do Carf por motivo de fraude ou corrupção.

 

Em relação ao volume de contingências, existe a avaliação de que o problema é que a legislação tributária comporta elasticidade de interpretações e que tanto o Carf como o Judiciário demoram muito para tomar as decisões.

 

A esse respeito, entende-se que a Lei 12.973, do ano passado, ao esclarecer tratamentos futuros sobre ágio interno, lucro no exterior e receita bruta, contribuirá para reduzir contenciosos no futuro.

Fonte: Valor Econômico, por Fernando Torres, Laura Ignacio e Zínia Baeta