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Herança vulnerável
16/04/2015

Luciana Rosanova Galhardo, especialista em tributos do Pinheiro Neto Advogados, alerta para o risco de questionamento do uso do VGBL para parcela elevada do patrimônio com o intuito claro de fugir do imposto sobre herança

O imposto sobre herança voltou a preocupar nos últimos meses diante da expectativa de que o governo federal encontre um caminho para elevar a alíquota. Esse é um tributo com o qual donos de pequenos e grandes patrimônios precisam arcar. Veículos de investimento sofisticados, tais como fundos exclusivos, holdings e até mesmo os “trusts” montados no exterior, não estão imunes à taxa.

 

O caminho mais usado para evitar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) – e disponível para qualquer faixa de patrimônio – é o plano de previdência do tipo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). E, mesmo nesse caso, o uso com fins de planejamento tributário tem sido questionado.

 

O fato é que se a União decidir tomar um quinhão das heranças – o que por si só é complexo já que a Constituição define que o tributo é de competência estadual – vai crescer o debate em torno das ocasiões em que há incidência do ITCMD. Muitas situações não estão claras na legislação e ficam à mercê da interpretação de escritórios de direito.

 

O VGBL é um bom exemplo da falta de certeza legal. O produto tem sido cada vez mais usado por gestores de grandes fortunas como ferramenta de planejamento sucessório. Em 2014, o patrimônio alocado pelos clientes de private banking em previdência aberta cresceu 27,75%, para R$ 47,8 bilhões. O discurso é que o patrimônio alocado no plano não passa por inventário, sendo liberado em até 30 dias pela seguradora, e não está sujeito ao ITCMD.

 

A recomendação ao destinar recursos a um VGBL é apenas que a definição dos beneficiários não entre em conflito com a chamada legítima, ou seja, a partilha legal do patrimônio entre os membros da família. Advogados veem risco, entretanto, em dedicar uma parcela muito elevada do patrimônio ao VGBL com esse fim. “O uso de um instrumento dessa natureza em quantidades muito grandes com o intuito claro de fugir do imposto começa a chamar a atenção”, diz Luciana Rosanova Galhardo, especialista em tributos do Pinheiro Neto Advogados.

 

A Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo tem manifestado o entendimento de que os planos de previdência são isentos. Já as autoridades fiscais de alguns Estados, como Minas Gerais e Paraná, aponta Luciana, vêm tratando os produtos como aplicação financeira e, assim, sujeitos à incidência do ITCMD.

 

“Colocar a maior parte do seu patrimônio em um plano de previdência me parece muito ousado, pouco usual e não é objetivo do plano”, diz também Marcelo Paolini, sócio de gestão patrimonial e familiar do escritório Mattos Filho, considerando que o espírito do produto é garantir recursos líquidos para emergências de curto prazo na ausência do dono do patrimônio.

 

Há ainda outro quesito a se considerar ao se optar por colocar o patrimônio em um VGBL com fins de sucessão. É preciso avaliar bem as condições do produto de previdência disponível, alerta Fábio Cepeda, sócio do Cepeda, Greco & Bandeira de Mello Advogados. Se o plano tiver taxa de carregamento – que incide sobre o patrimônio total (a cada aporte ou na saída) e não somente sobre o rendimento -, o investidor pode deixar na seguradora o que evitou pagar ao governo.

 

Se um contribuinte do Estado de São Paulo, que paga 4% de imposto sobre a herança, optar por um plano de previdência com taxa de carregamento de 5%, já na largada ele teria um prejuízo de um ponto percentual, exemplifica Cepeda. “Era melhor que tivesse pago o ITCMD”, afirma.

 

A decisão de destinar uma grande parcela do patrimônio a um VGBL no fim da vida esbarra ainda no imposto de renda. No caso da opção pela tabela regressiva, a mordida do Leão começa em 35%, chegando aos realmente vantajosos 10% apenas para recursos aplicados por prazos superiores a dez anos.

 

Outro caminho para evitar o imposto, mais viável para pequenos patrimônios, é o de antecipar a doação. Os Estados determinam faixas de isenção, ou seja, valores máximos anuais para os quais a doação não tem imposto. No caso de São Paulo, por exemplo, não há incidência de ITCMD em transferências inferiores a 2.500 Ufesp, a unidade fiscal do Estado, o que equivale hoje a cerca de R$ 50 mil, aponta Paolini, do Mattos Filho. Doações feitas em etapas ainda em vida seriam, assim, uma opção para evitar pagar o tributo.

 

Mesmo quando a doação em conta-gotas é inviável, caso de patrimônios muito grandes, a antecipação é vista como alternativa para pagar menos tributo, uma vez que a tendência é que o volume de recursos cresça ao longo do tempo. Nesse sentido, investidores de alto patrimônio optam por doar cotas de um fundo exclusivo ou de uma holding recheada de imóveis ainda em vida. Em geral, os escritórios de direito aconselham que a doação seja feita com reserva de usufruto, garantindo aos pais toda a renda gerada pelo patrimônio enquanto ainda estiverem vivos.

 

A antecipação da herança, entretanto, não é uma indicação consensual, mesmo com reserva de usufruto. “Acho uma péssima ideia. Às vezes você está fugindo de um problema e criando outro muito maior”, afirma Ricardo Lacaz, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados. Ele cita o exemplo de um cliente cujo filho morreu antes dos pais e o direito sobre a propriedade passou à nora. O problema veio quando ela recusou-se a aceitar uma vantajosa proposta de compra da empresa da família.

 

Há a possibilidade legal de definir que o patrimônio volte aos pais no caso de morte prematura do herdeiro, mas o recurso pode ser questionado, segundo Lacaz. “A cláusula de reversão de validade é extremamente discutível, porque infringe o direito de herança previsto no código civil. Doação é doação, não é empréstimo”, diz o advogado.

 

Outro argumento para antecipar a doação é garantir a alíquota atual. “Esse é um assunto constante discutido com clientes, até porque o Brasil ainda é um dos países do mundo com menor imposto sobre herança”, diz Paulo Colaferro, sócio da gestora de patrimônio Taler. “Trabalhamos com o cenário de que o imposto vai subir. Não sabemos quando, mas vai acontecer”, afirma.

 

Um levantamento feito pela consultoria EY (antiga Ernst & Young) em junho do ano passado mostra que, nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, o imposto sobre herança chega a 40%. Na Suíça, na Alemanha e no Japão, o tributo máximo é de 50%.

 

Como o imposto sobre herança pode ser até maior no exterior, um brasileiro mandar dinheiro para fora a fim de fugir do tributo também não parece à primeira vista a melhor opção. E, também nesse caso, há dúvidas sobre se um patrimônio herdado no exterior está sujeito ao imposto brasileiro, segundo Lacaz, do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados. Há, segundo ele, algumas decisões no sentido de que um patrimônio no exterior não é sujeito à lei de sucessão brasileira.

 

Para Paolini, do Mattos Filho, sempre que há transferência para herdeiros com residência fiscal no Brasil, seja de recursos ou investimentos no país ou no exterior, há incidência de ITCMD.

 

Há uma interpretação entre os escritórios brasileiros de que o ITCMD incide inclusive sobre o “trust”, figura legal não existente no Brasil, mas que investidores locais podem montar no exterior. Como há uma transferência de propriedade da pessoa física para o chamado “trustee”, em geral uma instituição financeira fora do país, a operação pode ser considerada uma doação, diz Paolini, do Mattos Filho. E, assim, há cobrança do imposto.

 

No momento em que a pessoa que institui o “trust” morre e os recursos são passados aos beneficiários, há duas interpretações possíveis. Uma é a de que, como não há figura jurídica semelhante no Brasil, esse é um rendimento como outro qualquer, caso em que o imposto pode chegar a 27,5%. A outra é a de que os beneficiários vão receber uma herança, situação em que pode incidir novamente o ITCMD. E é claro que, nesse caso, o investidor deve preferir a segunda interpretação, já que a alíquota para herança não ultrapassa hoje 8% no Brasil.

 

Ver também: Imposto sobre herança é de competência estadual 

Fonte: Valor Econômico, por Luciana Seabra