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Atacadistas querem igual benefício fiscal concedido à indústria
30/07/2015

Redução de base de cálculo de ICMS somente para fabricantes leva setor de atacado a pagar mais imposto. Para compensar, seria necessário que a indústria ofertasse desconto, dizem consultores tributários

Em um momento em que qualquer economia no caixa pode significar até a sobrevivência do negócio, um tema vem incomodando atacadistas paulistas: a redução da base de cálculo de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) exclusivamente para a indústria.

 

Para tornar a indústria mais competitiva, evitando fuga de empresas de São Paulo, atraídas por benefícios fiscais de outros Estados, o governo paulista reduziu a base de cálculo de ICMS da indústria de vários produtos, como couro, cosméticos, brinquedos, artigos têxteis, entre outros.

 

Trata-se, aparentemente, de uma boa medida, no sentido de reduzir a carga tributária sobre os preços dos produtos finais. Sucede que o benefício fiscal só vale para a indústria. O atacado e o varejo continuam pagando a alíquota cheia do imposto. O preço final do produto, portanto, não cai, e o fisco paulista também não perde na arrecadação.

 

O que acontece quando a base de cálculo é reduzida apenas para a indústria? O Diário do Comércio consultou especialistas do setor tributário. Ocorre que se a indústria beneficiada com a redução de ICMS não reduzir, na mesma proporção, os preços dos produtos para o atacado, estes pagarão mais impostos do que os fabricantes.

 

O ICMS é cobrado em todas as etapas de circulação de um produto, desde a produção até a venda para o consumidor final. O recolhimento desse imposto é feito pelo mecanismo de débito e crédito. O fabricante recolhe o imposto e, na etapa seguinte, o atacadista desconta do imposto que ele tem a pagar o valor pago anteriormente pela indústria.

 

Veja, no exemplo abaixo, o que acontece quando o ICMS é reduzido somente só para a indústria.

 

Suponha que um produto vendido pela indústria para o atacado custe R$ 100, e que sua alíquota de ICMS caiu de 18% para o equivalente a 7%. Na venda da indústria para o atacado, neste exemplo, a indústria vai recolher R$ 7 de imposto (7% sobre R$ 100).

 

Imagine que o atacado vá vender a mesma mercadoria por R$ 150 com uma alíquota de ICMS de 18% (alíquota cheia). Ele vai recolher, portanto, R$ 27 (18% sobre R$ 150) menos R$ 7 (já que a indústria já havia pago R$ 7 na etapa anterior). Nesta operação, o atacadista vai recolher R$ 20 de imposto.

 

Agora, se a indústria tivesse pago a alíquota cheia de ICMS, de 18% (18% sobre R$ 100), o atacadista iria se creditar de R$ 18 e recolher um imposto, portanto, de R$ 9 (R$ 27 menos R$ 18), não de R$ 20. “No exemplo, os R$ 11 que a indústria economizou pesou, com certeza, na margem do atacadista”, diz Clóvis Panzarini, consultor tributário.

 

PRIMAVERA TRIBUTÁRIA

 

A partir de 2006, o governo paulista começou a reduzir a base de cálculo de ICMS de vários setores industriais –ação batizada de “primavera tributária” (porque ocorreu na Primavera), de forma que a alíquota equivalente de ICMS recolhida nas operações de venda da indústria caísse de 18% para 12% (ou para 7%), dependendo do produto.

 

“Essa política resultou na transferência de parte da responsabilidade do recolhimento do ICMS do setor industrial para o comercial (atacadista ou varejista), sem, contudo, alterar a carga tributária total suportada pelo consumidor final. O industrial tem de reduzir o preço na mesma proporção da diminuição do imposto para que a responsabilidade fiscal não seja transferida para o atacadista”, afirma Panzarini.

 

A redução de ICMS para a indústria de meias e não para o atacado é um dos motivos que levaram a Arco Íris, atacadista de meias e lingeries, a decidir fechar as portas depois de quase 70 anos operando no setor.

 

“Seu eu compro um lenço da Presidente, que fica aqui perto, em Mogi-Guacu (SP), a empresa me manda o produto com 7% de ICMS. Se eu mando o mesmo lenço, no mesmo dia, para um cliente que fica do lado da Presidente, tenho de recolher 18% de ICMS. Isso faz algum sentido?”, questiona  Roberto Parseghian, dono da Arco Íris.

 

COSMÉTICOS

 

Quando a economia começou a dar sinais de que iria encolher, atacadistas de cosméticos começaram a procurar advogados do Sincamesp, sindicato que reúne os atacadistas paulistas de medicamentos e cosméticos, para ver se era possível se creditar de uma alíquota de 18% de ICMS (paga por eles), não de 7% (paga pela indústria). Seria uma forma de reduzir o pagamento de impostos num período em que o consumo está em queda.

 

O setor de cosméticos se encaixa exatamente no exemplo acima. A indústria paga o equivalente a 7% de ICMS e o atacado, 18%. “Explicamos para o atacadista que não tem jeito. O benefício fiscal, no caso desse setor, é só para a indústria. O que significa que o atacadista só consegue mesmo recuperar uma parte do que paga de ICMS”, afirma German San Martin, advogado do Sincamesp. “Na verdade, o que se vê nesses casos, é que o Estado dá com uma mão e tira com a outra”, afirma.

 

Escapam desta situação, os atacadistas paulistas que adquirem produtos de fora do Estado. É o caso da Clóvis Calçados, que atua no atacado e no varejo de calçados.

 

“A redução da base de cálculo de ICMS atingiu os produtos fabricados dentro do Estado, que representam muito pouco da minha venda”, afirma André Meguerditch, diretor da empresa. Ele adquire produtos, principalmente, do Estado do Rio Grande do Sul.

 

Essa polêmica só vai acabar, de acordo com os consultores e um grande atacadista ouvido pelo DC, que prefere se manter no anonimato, quando o benefício fiscal se estender para todas as etapas de circulação do produto. Neste período de consumo mais fraco, é tudo o que os atacadistas mais desejam.

Fonte: Diário do Comércio, por Fátima Fernandes